sábado, 22 de maio de 2021

Em Nome da Decência

Temos o país entregue a um bando de idiotas. Digo “idiotas” para não baixar demasiado o nível; para o efeito, já temos, pelo menos, um secretário de estado à altura, assim, tudo em minúsculas, como a coisa merece.

O debate político (mas, qual “debate político”, na verdade?) assumiu contornos arrepiantes. É comum dizer-se que temos as elites e os governantes que merecemos, mas eu acho que merecíamos mais e merecíamos melhor. O que nos faz aceitar a mediocridade miserável desta nata bastarda é coisa que me ultrapassa.

Em nome da decência, se fôssemos um país decente, não teria sido possível vermos o que se tem visto no coração da Assembleia da República, o palco da democracia à mercê do deboche lodoso de uns donos disto tudo, das dívidas tão obscenas quanto os próprios à desfaçatez velhaca com que aqueles senhores nos insultam sem remorso. Dá nojo. E pena. E um desconsolo desconcertante, doloroso, por perceber que – ao contrário do que muitos insistem em defender, talvez mais por intenção do que por convicção –, sim, é legítimo pensar que há demasiados “todos” indecorosamente iguais, mesmo que uns sejam mais animais do que outros. Se assim não fosse, seria impensável o à-vontade com que se enxovalha a casa da Democracia. O que se ouve dentro daquela salinha na Assembleia da República, na forma de comissões de inquérito (a propósito, deviam deixá-las exclusivamente a cargo da Cecília Meireles, da Mariana Mortágua e daquele outro deputado com ar enganadoramente imberbe cujo nome não recordo), da boca de uma suposta elite do mundo empresarial português, da banca aos “gestores de topo”, é de uma indignidade asquerosa. Asquerosa. Não sei se é caso de um “só neste país”, mas, se não é só neste, de momento, não me ocorre que pudesse ser noutro. Ou melhor, os que me ocorrem deixam-nos ainda mais humilhados.

Em nome da decência, não teríamos o escândalo de Odemira, um repúdio fingido que, de resto, só espantou os hipócritas. Ou os que não ouvem notícias nem lêem jornais, mas, contra estes, absolutamente nada; às vezes, é a única forma de manter um mínimo de sanidade mental. Os que consideram que a escravatura goza de graus comparativos e superlativos – se os abusados e escravizados são mais felizes em Odemira do que para lá do sol-posto de onde vieram, quem somos nós para contrariar o luxo de viver em contentores de cento e qualquer coisa metros quadrados por cada 16 pessoas – não são para aqui chamados, para evitar mais nomes feios.

Em nome da decência, não haveria um mar de Ceuta, nem uma Faixa de Gaza, nem Cabo Delgado, nem nenhum dos outros recreios macabros e sangrentos onde todos os dias se ensaia a sobrevivência sob o jugo de loucos, entre a cobiça do poder e a avidez do ódio.

Mas, nada disto importa, não é?, essa ambição ingénua de um mundo apaziguado. Desconfinamos. Os turistas ingleses voltaram a invadir as praias do Algarve e também nós estamos encantados, não é só o Pedro Sánchez em Espanha. E, como não há fome que não dê em fartura, ainda nos sobra a embriaguez de ver o Sporting campeão. E o futebol é rei e senhor de quase todas as horas dedicadas à informação com que se entretém o povo, a par das notícias sobre o número de infectados e de mortos e de vacinados, agora, de primeira e segunda dose. Quando vejo o desfiar de pornografia pseudojornalística que capturou e asfixiou a maioria dos melhores canais de informação penso sempre no que seria deste desgraçado país se se dedicassem as mesmas horas ao escrutínio das questões realmente sérias. Não renegando o pandemónio em que a pandemia transformou grande parte das nossas vidas, nem as penas, nem os lutos.