segunda-feira, 31 de maio de 2021

Tragicomédia




Há uns anos, um amigo espanhol contou-me uma história divertidíssima. Supostamente real, mas, tão boa, tão boa, que podia perfeitamente ser um chiste; nunca confirmei. Já não recordo todos os detalhes, mas, lembro-me mais ou menos do essencial.

A cena passa-se num convento, há uma espécie de anfiteatro, uma plateia constituída maioritariamente por freiras e um orador homem. Discute-se qualquer coisa, já não sei bem o quê, mas, uma das freiras da assistência mostra-se particularmente combativa e vai fazendo perguntas, insistentemente, até deixar o orador à beira de um ataque de nervos. A dada altura, o homem exaspera-se:

– Hermana, vosotras las monjas no hacéis votos de castidade?

– Sí...

– Pues entonces callese y no joda.

A história tem um fim, mas já não me lembro do resto.

Praguejar é uma arte que não assiste a todos. E não se pragueja em todas as línguas com a mesma elegância e eloquência. Em espanhol pragueja-se divinamente. Pode-se traduzir para português aquele curtíssimo diálogo, mas, não só nunca teria a mesma graça, como soaria muitíssimo mais insultuoso.  

Lembrei-me disto a propósito (a despropósito, talvez, que a minha mente deambula por caminhos pouco claros demasiadas vezes) do congresso do Chega. Mais exactamente, a propósito da fotografia de André Ventura ajoelhado e de mão esticada ao estilo que se adivinha. Aquilo só não se leva mais a sério porque o homem tresanda a embuste por todos os poros. Trump, Salvini, Le Pen e Abascal sempre se levam mais a sério. Ventura é uma imitação de feira. Não incluo o Messias na comparação, porque o presidente brasileiro repugna-me muitíssimo mais; nem o nosso André merece. Mesmo que me apeteça praguejar.

Não vi nada do congresso do Chega. Ouvi uns gritos entre zappings. A histeria passou das ideias aos actos públicos de comunicação, uma excitação atordoadora de decibéis como já não se (ou)via há muito, só comparável à intensidade do drama, talvez um dia uma bala acabe com a vida dele... Ah!, vivesse ainda William Shakespeare (e quase que "ainda", não era?) e teríamos um novo Macbeth ou assim. Com o devido despeito.