segunda-feira, 6 de setembro de 2021

"Censura no Feminino"



Há uns meses, o PÚBLICO reuniu dez livros numa colecção a que chamou “Censura no Feminino”, e, como se prenuncia, os livros foram escritos por mulheres e reprovados pela “Censura” (não é por respeito, a maiúscula), que os considerou, alguns, chocantes, outros, pornográficos, imorais e demais eteceteras atentatórios da moral e dos bons costumes da época.

Comecei pelo “Ida e volta duma caixa de cigarros”, de Maria Archer. Como sou curiosa em doses aceitáveis e bastante insensível às ameaças disso a que chamam spoiler pelo poder que tem, também dizem, de desmanchar certos prazeres, saltei imediatamente para as páginas que a informação do respectivo processo denuncia como impróprias: “A Censura intervém, requesita um exemplar e verificando que nas duas primeiras novelas de carácter acentuadamente erótico, a autora compraz-se na volupia do promenor sensual, que parece ser o único objectivo proíbe o livro e pede á Polícia a sua apreensão”. Uma delícia.

Na página 18 – a primeira das malditas – há tantos daqueles promenores que não imagino qual o mais culpado. Gosto de "Manuel não colhia ennebriamento ou ilusão do corpo que ia desvendando. O seio dela, redondo e firme, era clamor de triunfo, euritmia, que êle olhava como a um outro peito qualquer. Embotara o poder de admirar; a beleza apenas servia a acelerar-lhe o ritmo do desejo bruto, animal, que quere, que exige, e que, como a labareda, se extingue em cinzas e nada", mas, este trecho alonga-se pela página 19 e essa não merece reparo, pelo que, me parece que o considerado mais indecente terá sido aquele que o precede, "Momentos depois, êle vergava-a sobre as costas do divan e beijava-a no peito. Mão experiente tacteou-lhe o vestido. Marietta deixou-o prosseguir. Êle continuou o seu manejo; era hábil, estava afeito, dispunha de uma longa prática. O hábito, com o seu cortejo de indiferença e tranquilidade, transparecia-lhe nos modos".

Estou tão longe da perseguição absurda sofrida por estas mulheres que não sei se lamentá-las pelo destino ou invejá-las pela ousadia. Por acaso sei. Nem sempre é uma coisa feia, a inveja.