Há uns meses, o PÚBLICO reuniu dez livros numa colecção a
que chamou “Censura no Feminino”, e, como se prenuncia, os livros foram
escritos por mulheres e reprovados pela “Censura” (não é por respeito, a maiúscula),
que os considerou, alguns, chocantes, outros, pornográficos, imorais e demais eteceteras
atentatórios da moral e dos bons costumes da época.
Comecei pelo “Ida e volta duma caixa de cigarros”, de
Maria Archer. Como sou curiosa em doses aceitáveis e bastante insensível às
ameaças disso a que chamam spoiler pelo poder que tem, também dizem, de desmanchar
certos prazeres, saltei imediatamente para as páginas que a informação
do respectivo processo denuncia como impróprias: “A Censura intervém,
requesita um exemplar e verificando que nas duas primeiras novelas de carácter
acentuadamente erótico, a autora compraz-se na volupia do promenor sensual, que
parece ser o único objectivo proíbe o livro e pede á Polícia a sua apreensão”.
Uma delícia.
Na página 18 – a primeira das malditas – há tantos
daqueles promenores que não imagino qual o mais culpado. Gosto de "Manuel não
colhia ennebriamento ou ilusão do corpo que ia desvendando. O seio dela,
redondo e firme, era clamor de triunfo, euritmia, que êle olhava como a um
outro peito qualquer. Embotara o poder de admirar; a beleza apenas servia a
acelerar-lhe o ritmo do desejo bruto, animal, que quere, que exige, e que, como
a labareda, se extingue em cinzas e nada", mas, este trecho alonga-se pela
página 19 e essa não merece reparo, pelo que, me parece que o considerado mais indecente terá
sido aquele que o precede, "Momentos depois, êle vergava-a sobre as costas
do divan e beijava-a no peito. Mão experiente tacteou-lhe o vestido. Marietta
deixou-o prosseguir. Êle continuou o seu manejo; era hábil, estava afeito,
dispunha de uma longa prática. O hábito, com o seu cortejo de indiferença e
tranquilidade, transparecia-lhe nos modos".
Estou tão longe da perseguição absurda sofrida por estas mulheres que não sei se lamentá-las pelo destino ou invejá-las pela ousadia. Por acaso sei. Nem sempre é uma coisa feia, a inveja.