quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Devia ter aproveitado o tempo que durou aquele lapso da DGS para ir ao cinema. Sem teste e sem pipocas. Ninguém me apanha, por minha livre vontade, numa daquelas filas intermináveis de testagem em série, e menos ainda em zaragatoamentos públicos à entrada de eventos, por muito que o evento me apeteça. E apetecem-me alguns. As pipocas no cinema podiam ser banidas. Definitivamente. Mesmo sob o protesto do meu filho.

O ano termina com balanços e promessas de renovação, como deve ser. Eu não balanço, nem prometo. Vivo. Nem sempre tão plenamente como devia, mas vivo. Em cada ano novo, mais intensamente do que no ano passado. A professora de filosofia do meu filho pediu aos alunos que escrevessem numa folha uma palavra para definir o futuro. O meu filho escreveu Morte, e não sei porque é que isso ainda me espanta. Sei que, muitas vezes, é uma provocação, e, ainda assim, invejo-lhe a renúncia.  

Entretanto, perdi-me na contagem das vagas e das letras do alfabeto grego; dos números do pior dia de, do novo máximo, e todos esses superlativos ameaçadores que os nossos jornalistas anunciam em pregões vesúvios, tomados de incontroláveis fremências. Sinto-me capaz de aceitar qualquer teoria da conspiração: do vírus que se escapou de um laboratório chinês, à propagação do bicho por tecnologia 5G; da magnetização da zona inoculada, ao chipe controlador do Bill Gates, passando pela negação da pandemia, ou aceitando-a apenas como um expediente maquiavélico dos estados democráticos para dominar os povos pela exaltação paranoica do medo. Estou por tudo, porque há já demasiado a que começo a não encontrar qualquer sentido. Hoje. Amanhã, passa-me.

Por falar em cinema, prefiro um bom filme a uma boa série. Não tenho muita paciência para séries. A última que vi inteira e merece tudo o que de bom se diga e se diz dela foi Mare of Easttown. Nunca consegui seguir a Casa de Papel, falta-me a inteligência necessária para alinhar reflexões filosóficas sobre a morte no Squid Game – achei demasiado ridículo o pouco que vi: não tem nada a ver com o fenómeno violência; a violência de Joker é avassaladora e tudo naquele filme é magnífico –, e não passei do segundo episódio de Glória. Diz a minha irmã (de algumas séries portuguesas) que, às vezes, parece nem as falas se entendem bem. Por vezes, parece-me o mesmo. É como se a língua portuguesa servisse “apenas” aos grandes romances, aos poetas, às confissões dos amantes murmuradas ao ouvido. A língua portuguesa de Portugal. A do Brasil também serve à música que se quer bem cantada. O pau, a pedra, o fim do caminho, o pouco sozinho, a vida, o sol, a chuva chovendo, madeira de vento, mistério profundo, o queira ou não queira, e eu ainda quero muito.



Bom Ano de 2022

Obrigada a todos os que se perdem por aqui.