Devia
ter aproveitado o tempo que durou aquele lapso da DGS para ir ao cinema. Sem
teste e sem pipocas. Ninguém me apanha, por minha livre vontade, numa daquelas
filas intermináveis de testagem em série, e menos ainda em zaragatoamentos
públicos à entrada de eventos, por muito que o evento me apeteça. E
apetecem-me alguns. As pipocas no cinema podiam ser banidas. Definitivamente. Mesmo
sob o protesto do meu filho.
O
ano termina com balanços e promessas de renovação, como deve ser. Eu não balanço,
nem prometo. Vivo. Nem sempre tão plenamente como devia, mas vivo. Em cada ano
novo, mais intensamente do que no ano passado. A professora de filosofia do
meu filho pediu aos alunos que escrevessem numa folha uma palavra para definir
o futuro. O meu filho escreveu Morte, e não sei porque é que isso ainda
me espanta. Sei que, muitas vezes, é uma provocação, e, ainda assim, invejo-lhe
a renúncia.
Entretanto,
perdi-me na contagem das vagas e das letras do alfabeto grego; dos
números do pior dia de, do novo máximo, e todos esses
superlativos ameaçadores que os nossos jornalistas anunciam em pregões
vesúvios, tomados de incontroláveis fremências. Sinto-me capaz de aceitar
qualquer teoria da conspiração: do vírus que se escapou de um laboratório
chinês, à propagação do bicho por tecnologia 5G; da magnetização da zona
inoculada, ao chipe controlador do Bill Gates, passando pela negação da
pandemia, ou aceitando-a apenas como um expediente maquiavélico dos estados
democráticos para dominar os povos pela exaltação paranoica do medo. Estou por
tudo, porque há já demasiado a que começo a não encontrar qualquer sentido. Hoje.
Amanhã, passa-me.
Por
falar em cinema, prefiro um bom filme a uma boa série. Não tenho muita
paciência para séries. A última que vi inteira e merece tudo o que de bom se diga e se diz dela foi Mare of Easttown. Nunca consegui seguir a Casa de Papel,
falta-me a inteligência necessária para alinhar reflexões filosóficas sobre a
morte no Squid Game – achei demasiado ridículo o pouco que vi: não tem
nada a ver com o fenómeno violência; a violência de Joker é avassaladora
e tudo naquele filme é magnífico –, e não passei do segundo episódio de Glória. Diz
a minha irmã (de algumas séries portuguesas) que, às vezes, parece nem as falas
se entendem bem. Por vezes, parece-me o mesmo. É como se a língua portuguesa
servisse “apenas” aos grandes romances, aos poetas, às confissões dos amantes
murmuradas ao ouvido. A língua portuguesa de Portugal. A do Brasil também serve à música que se quer bem cantada. O pau, a pedra, o fim do caminho, o pouco
sozinho, a vida, o sol, a chuva chovendo, madeira de vento, mistério profundo,
o queira ou não queira, e eu ainda quero muito.
Bom Ano de 2022
Obrigada a todos os que se perdem por aqui.