Apanho-a
a chorar num canto da escada. Um choro seco, silencioso, que se percebe apenas
pelo tremer espaçado do corpo quando se deixa escapar um soluço sufocado. Conheço-o
bem.
Tem
uma irmã na Ucrânia e outra na Rússia. Percebo que disse à irmã que vive na Ucrânia com o marido e o filho que fugisse, que viessem para cá, mas que já não conseguiram sair, com estradas bloqueadas e aeroportos
fechados. Fala mal português. Vive em Portugal com a filha e não precisa de falar português
para limpar capazmente uma escada. Pergunto se posso ajudar, se quer que
ligue à filha, se a levo a casa, qualquer coisa que me faça sentir menos
inútil. Pede-me que reze, e não tenho coragem de lhe dizer que há muito que deixei
de rezar.