Depois
desse acontecimento assombroso, que teria mudado o mundo para sempre,
chegou-nos uma pandemia. Juraram-nos e talvez tenhamos julgado que era esse,
afinal, o grande desafio do novo mundo, moderno e civilizado. E foi, para demasiada gente que
viu a sua vida desabar – as vítimas nunca caem todas ao mesmo tempo.
Era uma guerra. Estávamos em guerra.
Há
quem nunca se canse de nos alertar para o uso indevido das palavras. Claro que
não havia guerra nenhuma. É agora que estamos em guerra. Uma guerra que foi
fazendo o seu caminho, antes de mais, na cabeça ensandecida de Vladimir Putin,
uma loucura atrás de outra.
Kiev
resiste. Frente a uma das Forças Armadas mais poderosas de mundo, sob o comando
de um déspota que convinha não provocar, fosse lá o que isso fosse, mas cuja perigosa arrogância se tornou
insuportável. Ceder-lhe é abrir um caminho ainda mais obscuro para o futuro não
apenas dos ucranianos. E, no entanto, não há nada de claro no resto. O êxodo trágico
de milhares de pessoas, mulheres e crianças porque há coisas que nunca mudam,
os homens que ficam para trás, por vontade própria ou contra ela, miúdos, o
drama, a impotência dos que nada podem, o canto sinistro das sirenes como
aves de mau agoiro, garagens e estações de metro convertidos em bunkers imprevistos
e improvisados. Há bunkers, em Portugal?
É a resistência espantosa de Volodymyr Zelensky (com que Putin jamais contou, seguramente) que anima os ucranianos e obriga a Europa a reagir. Ouço que Elon Musk disponibiliza à Ucrânia “o melhor e mais resistente” serviço de Internet, ouço que Kiev está cercada, que a União Europeia fecha o espaço aéreo a aviões russos e que será proibida a emissão das principais televisões internacionais russas, que a Alemanha vai fornecer armas à Ucrância quebrando uma política de não envio de armas para zonas de guerra que vigorava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que Vladimir Putin ordenou que se activasse “em modo especial de combate” o seu arsenal nuclear. O urso encurralado joga outra cartada de risco; tal como no poker, nunca se sabe até onde vai o bluff, se é realmente bluff. Há manifestações em toda a Europa. Há manifestações na Rússia contra a guerra de Putin, porque esta guerra é de Putin. E é novamente impossível desviar o olhar, pensar noutra coisa qualquer.