segunda-feira, 21 de março de 2022

Contextualizar a Guerra

Parece-me haver sempre uma beleza profana nas fotografias que imortalizam as tragédias mais devastadoras. Uma beleza caótica e, ainda assim, absolutamente contrária à violência estampada na quietude do retrato. Talvez porque, no alheamento da desolação, sobre apenas o que deve, a compaixão de quem retrata ou a coragem de quem resiste. Fotografias magníficas gritando horrores no silêncio encarcerado das imagens, os comboios decrépitos, de ferragens oxidadas como os esforços de paz, desta paz apodrecida. Vinte e seis dias depois, a Ucrânia resiste à fúria bárbara de Vladimir Putin, e, neste exacto momento, é-me bastante indiferente se, num passado perfeito ou imperfeito, os EUA, a Europa e a NATO foram mentores ou cúmplices de outras guerras igualmente miseráveis: não é isso que está em causa. Saber da infâmia da Cimeira das Lajes não me faz olhar com menor estupor para a deriva criminosa de Putin. O urso que não podia ter sido humilhado nem encurralado mantém, sobre a Ucrânia, sobre a Europa, uma estratégia de terror à altura dos piores criminosos de que conta a História, aquela que nunca nos ensina nada, não serve para isso. Vladimir Putin está decidido a descarregar toda a sua ira sobre quantas cidades ucranianas forem necessárias para exibir o seu poderio, e nenhuma das culpas que carregam outros me serve para diluir a injúria. Mostram-me as falhas de Zelensky, a sua propaganda e arrogância, e garantem-me que a única saída é a rendição da Ucrânia, que a Putin é preciso compreender-lhe os motivos e saciar-lhe a sede de vingança, afagar-lhe a humilhação a bem da paz, finalmente a paz, e não sou capaz de entender que paz seria essa.