quinta-feira, 31 de março de 2022

“One Need Not Be A Chamber To Be Haunted”

Não sei o que faria se “apanhasse” Adolf Hitler  ou Vladimir Putin, já agora. Ao contrário de Robert Sapolsky, não fantasio com partir-lhe a espinha junto ao pescoço, arrancar-lhe os olhos com um objecto contundente, furar-lhe os tímpanos, arrancar-lhe a língua, mantê-lo vivo ligado a um respirador, alimentado por um tubo, incapaz de ver, falar ou mover-se, sentir apenas, e, depois, injectá-lo com qualquer coisa maligna e deixá-lo a apodrecer, ou por aí. É possível que nem o próprio Robert Sapolsky fantasie com tudo isso, mesmo que ele diga que sim, que alguma vez. É apenas um ponto de partida habilmente eficaz para uma discussão interessante – ambiciosa, insaciável – sobre a biologia da Besta que há em nós, e todas as contradições e contrições pessoais que daí possam resultar. Seremos todos "seres humanos confusos" no que à violência diz respeito. Eu sou de certeza. Não sou pela paz a qualquer preço e não sou capaz de dizer, sinceramente, sem cruzar os dedos atrás das costas, que a violência nunca é solução. Evito o mais possível atirar a primeira pedra, mas não sou das que dá a outra face. A bofetada que Will Smith pespegou em Chris Rock faz do primeiro um idiota sem desculpa, mas não me chocaria por aí além se Chris Rock lhe tivesse assentado um tabefe equivalente. Não se resolveria nada na mesma, a violência como retrocesso civilizacional, a barbárie e demais apupos, mas humilha-me mais saber que há mulheres que acharam aquilo lindo. Linda, aliás, foi a piada de Chris Rock no entendimento de grande parte da plateia ali presente, inclusive no entendimento primeiro de Will Smith. Foi, provavelmente, o revirar de olhos da sua mulher – duas vezes sua mulher muito sua mulher – que despertou a tal besta que havia nele. Choramingar a seguir é ainda mais patético.

Adiante, sobre o mesmo.

De repente e na mesma semana que ainda nem terminou esbarrei naquela ted talk de Robert Sapolsky (embora já tivesse visto, há uns anos, outra sua palestra idêntica), num programa da National Geographic onde Morgan Freeman se propõe tentar desvendar a origem do Mal, num Inexplicável do canal História sobre os corredores obscuros do nosso cérebro, e na série Alias Grace com que a Netflix andava a tentar-me há demasiado tempo.

Tenho tanta coisa para dizer sobre tudo isto  sobretudo porque acredito que há um limite a partir do qual insistir em tentar a paz é abdicar da paz, é a paz que se finge obrigando a mulher violada a casar com o violador. Mas vou só dizer que acabei por ver Alias Grace: um número curto de episódios exactamente como eu gosto numa série, um genérico em tudo magnético, como magnética é toda a actuação de Sarah Gordon, e os versos assombrosos, assombrados, de Emily Dickinson. Não só de Emily Dickinson, mas de Emily DickinsonUm nós oculto por trás de nós mesmos, e eu esforço-me todos os dias por conhecer o meu.