Era a cabine de primeira classe: um cubículo acabrunhado e despido, com excepção dos dois conjuntos de beliches desengonçados, as armações tortas e descascadas. Sobre cada uma das camas, uma almofada amarrotada e uma manta demasiado curta, de cor indistinta, entre a poeira ocre do deserto e restos de um passado recente de outros viajantes imprevidentes. Sobrava o luxo fosco de não dividir o espaço com as cabras e os carneiros que homens rudes e trelas frágeis de corda gasta guiavam com pressa entre corredores apinhados, em busca de um qualquer espaço livre para repousar até ao destino final. Fatal, para os bichos murchos intuindo o fim. No meio do mosaico engelhado de corpos e cheiros e vozes, a pequena cabine abafada e quase nua, de salubridade engenhosa, era um pequeno pedaço de paz. As minhas mãos cheiram à tangerina do almoço, mas não me atrevo a procurar as casas de banho. Nem sei se haverá qualquer coisa a que possa chamar casa de banho. A noite anuncia-se longa, mas já sei que não me permitirei dormir. Basta-me um canto minúsculo da cama por desfazer; poder sentar-me algumas horas até ao nascer o dia e, depois, ver o sol ainda brando avançar sobre as muralhas vermelhas da cidade velha. Aproveitar o sossego da praça antes que a praça regurgite os seus mortos, antes que os vivos encham o palco e corrompam os versos guardados nas esquinas das sombras que agora despertam, que conheço tão bem.