O
meu sobrinho tinha quatro anos quando os médicos suspeitaram de um pequeno
tumor no seu ouvido esquerdo. Numa dor só sua, numa fé só sua, o meu Pai fez
uma promessa a Nossa Senhora de Fátima.
Devo dizer que o meu Pai tem a pior opinião da Igreja enquanto organização, não põe os pés numa missa, e, salvo honoráveis e raríssimas excepçoes, não gosta de padres. Sobre os abusos sobre crianças, sobre os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica, ou, mais exactamente, sobre os castigos e penas a aplicar aos patifes, mais ainda se os patifes forem sacerdotes, o meu Pai tem uma posição muito pouco católica. Mas há um entendimento qualquer entre si e aquela Maria de Jesus; uma coisa só deles. Sempre que lhe fica em caminho, pára em Fátima e acende-lhe treze velas. Cada uma das velas tem um significado e um propósito, e talvez tenham chegado a ser treze por acaso, mas 13 é o número preferido do meu Pai. Só para lhe fazer a vontade, desconfio, o meu filho, neto mais velho, nasceu às 13:13 h de um dia de Dezembro.
Não sei bem o que é isso de ter fé. Rezo (nem sei se é um rezo) por coisas pequenas, pouco meritórias, para ocupar a mente quando preciso de me acalmar, mais habituação do que devoção, como no outro dia, em que fiquei presa trinta e dois longos minutos no elevador do prédio. Suponho que a fé, na sua forma mais pura mais crua e mais bela, seja coisa ao alcance de poucos. Embora não a entenda e não a possua, comove-se a fé dos outros. Nunca serei capaz de pôr por palavras a torrente de emoções daquela época.
Mas o nosso Estado é laico; quando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa afirma que o
país cumpriu um sonho, não foi bem o país: foi o seu Presidente. Marcelo esperou,
desejou e conseguiu. Naquela equação, o País foi quase um pormenor.
A falta de fé não me empurra, no entanto, para o coro dos indignados com a deferência que o nosso Estado laico presta ao Papa Francisco nestas Jornadas Mundiais da Juventude – mas eu
gosto do homem, mais do que do Papa, e a minha opinião pode não ser isenta. Já a indignação pela
utilização de dinheiros públicos e serviços públicos para o evento, parece-me
mais do que legítima. É tão absurdo criticar os ateus fervorosos, acusando-os
de sentirem ódio contra a Igreja e etc – coisa que está muito na moda, acusar
de ódio tudo o que opina contra a nossa vontade –, como defender uma espécie de
tréguas no escrutínio aos gastos públicos, ou deixar de questionar sobre o tal
retorno económico miraculoso porque a juventude que por aí anda em jornada é
alegre e optimista e caleidoscópica. Mas somos sempre mais tolerantes quando a causa
nos embevece. Rabugentos são os outros.