O luxo que é viver em Madrid. Três magníficos museus no coração da cidade, dois
deles com duas horas diárias de entrada gratuita a todos os públicos. Pasmar
diante do Guernica de Picasso, uma experiência quase física, do arrepio
na espinha à quase náusea. Pela brutalidade; do talento, da tragédia, do colosso.
Já
não recordo a última vez antes desta que visitei o Museu do Prado, Dispensam-se
grandes adjectivos ou outros espantos pungentes, até porque serão sempre
insuficientes: aquilo é gente de conluio com o divino, não há outra explicação para que mentes e mãos humanas possam produzir arte assim. Para além
do Deus quer, o homem sonha, a obra nasce, há o Deus desceu à Terra para
encarnar no seio da Virgem Maria e se fazer, não um, mas vários homens que, por
sua obra e Graça, se tornam também sobrenaturais; à “sua imagem”, só alguns. E
algumas. Outro museu, o Thyssen-Bornemisza, rende, por estes dias (sendo que "estes dias" foram algures em Dezembro passado), homenagem a algumas dessas
pintoras eventualmente esquecidas. Artemísia Gentileschi é, talvez, das mais
conhecidas, Frida Kahlo mais actual, mas gosto especialmente de Henrietta
Browne.
Mas é o Museu do Prado que me tem perdida; é um dos meus Museus. Tudo vive, tudo vibra. O Triunfo da Morte, de Bruegel, é uma visão assombrosa, e as pinturas negras de Goya, uma descoberta curiosa. Há, claro, As Meninas de Diego Velázquez. Rubens, van Dyck, Ribera, El Greco, Jordaens, Mengs, Ticiano, Caravaggio, Rembrandt, os demónios de Bosch, uma Gioconda que talvez seja mais original que a original exposta no Louvre. Apresentam-na como uma cópia – não vulgar, mas uma cópia –, embora as duas tenham sido produzidas paralela e simultaneamente: aquela, por discípulos de Leonardo Da Vinci e terminada antes, diz a placa identificativa. São idênticas. Menos do sfumato de Leonardo, diz quem sabe. Há as cores, claro, não são exactamente as mesmas. Não se pode fotografar. Com raríssimas e desinteressantes excepções, nada no Museu do Prado se pode fotografar. Um cão de guarda em cada sala zela ferozmente pela inviolabilidade da regra, e, embora haja sempre um prevaricador, entre o ousado e o fingidor, a senhora que olha pela Mona Lisa é vigilantíssima. Nem se percebe bem, porque algumas obras transitam do Prado para o Thyssen, e no Thyssen é possível fotografar. Sem flash. Não importa. Há que ir.