terça-feira, 7 de maio de 2024

Dissolvente

Atravessar o túnel da Gare do Oriente, no parque das Nações, é desolador. Um corredor imenso ladeado por pequenas ilhas de cobertores gastos, dormitório improvisado para dezenas de pessoas sem outro tecto. Há imigrantes e portugueses, gente que não trabalha e gente que trabalha, há crianças e cães, pais, mães, pessoas sós, novos, velhos, numa amálgama de desesperança e abandono. E há a vergonha que se encolhe e se esconde sob as mantas, nas horas de maior movimento.

Não há nenhuma discussão séria possível de ser feita sobre “reparações históricas” sobre os escombros desta miséria. Ou sobre as condições em que acolhemos os imigrantes que procuram aqui um esboço de um projecto de vida. André Ventura cavalga sem pudor a agonia deste naufrágio, e ninguém se atreve a tirar-lhe a palavra e procurar compromissos, soluções. Há um caldo de cólera ostensivamente ignorado, e é estarrecedor, a quantidade de gente que acha aceitável a apologia da “justiça pelas próprias mãos”, mesmo sem saber-se ainda se foram aquelas pessoas as responsáveis pela tal "onda de assaltos" que se vive naquela zona do Porto. E sabendo-se, que justiça seria esta, pela calada da noite, encabeçada por grupos de encapuzados armados de bastões e raiva?