quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Os cães, os gatos e os outros

Apesar de o contacto de quem aqui escreve (eu; muitas formas de eu) não constar desta página, já constou e há quem o tenha gravado. Às vezes, recebo mensagens simpáticas (que agradeço, e que, por vezes, me emocionam), outras, desagradáveis. Não propriamente odiosas, a insignificância do que aqui registo não possui a flama capaz de despertar emoções primárias, mas, não deixa de me surpreender que um blogue sem qualquer relevância – pouco mais de 40000 visualizações em quatro e qualquer coisa anos – incomode ao ponto de alguém (às vezes, alguéns) desperdiçar tempo e estados de alma a apontar-me falhas. Não será de mais lembrar: nem todos os que mantêm blogues públicos aspiram à adoração; este, em particular, não pretende informar, ensinar, influenciar, entreter, deslumbrar, enfim, não merece sequer o esforço de não gostar – não abram, simplesmente.

Mas, vinha falar de cães e de gatos, e de onde teria surgido o rumor que levou Donald Trump a acusar os haitianos de Ohio de comerem animais de estimação dos vizinhos – ahhhh, outra vez nisto! Mas, enquanto olho o supérfluo e o alheio, não agonio no purgatório dos pecados reais.

Aparentemente, a história começa com uma publicação no Twitter – Springfield é uma pequena cidade em Ohio, onde, há 4 anos havia 60 mil moradores; sob a administração Biden-Harris, 20 mil emigrantes haitianos chegaram à cidade e, agora estão a desaparecer patos e animais de estimação – seguida de uma outra, de um “influenciador MAGA” (parece que existe), sobre um incidente numa outra cidade de Ohio, onde uma mulher americana está acusada de matar e comer um gato. O tal influenciador especulou sobre a nacionalidade da mulher e, depois é a história do amigo que tem um amigo que tem um amigo: de “influenciador MAGA” em “influenciador MAGA”, a história culminou num apelo ao voto em Trump, se não quiser os seus animais de estimação comidos. JD Vance, por sua vez, partilhou o alguém disse a alguém, usou o nome de uma criança morta acidentalmente (por atropelamento) por um haitiano – obrigando o pai da criança a vir a público dizer que o seu filho fora vítima de um trágico acidente e não de um crime de ódio, pelo que não usassem o seu nome para propaganda política –, e incentivou os seus seguidores à propagação continuada dos cat memes (o artigo completo está aqui, não sei se de leitura aberta).

Há quem não esteja minimamente preocupado com a veracidade da narrativa, esta ou outra, o interesse não é esse. Contam com os outros, os que acreditam, piamente e sem hesitar, em qualquer história, por mais estapafúrdia, desde que atente contra o "inimigo" – já não há oponentes, adversários – e seja contada pelos membros da comunidade. Não é novidade: acreditamos mais na informação que vem de quem gostamos. A questão é outra. É aquela teimosia (ideologia, ignorância, …) que reduziu qualquer discussão de teor político à tal guerra de trincheiras. Ou és polícia, ou és ladrão. Coisa que, por cá, nos habituámos a apontar ao PCP – com as suas tiradas excêntricas sobre a virtude dos regimes ditatoriais que tanto admira –, mas a que não escapam cabeças bem-pensantes, muito liberais e muito avessas à “esquerda woke”. O facto de Kamala Harris ter recebido a nomeação democrata sem primárias é uma manobra que manchará para sempre o Partido Democrata, mas a insurreição promovida pelo derrotado Donald Trump naquele 6 de Janeiro infame não mancha o Partido Republicano, nem representa qualquer perigo para a democracia americana. Kamala Harris é prodigiosamente ignorante, sobretudo em questões de economia, Trump é um prodígio de inteligência, ungido por Deus que lhe desviou uma bala pela salvação do Mundo  a chatice que era procurar outra virgem e, novamente, anunciar Jesus.