quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Perturbador

Há dias em que me deixo maravilhar pelo fenómeno Trump. O ex e parece que inevitavelmente próximo presidente dos Estados Unidos da América continua a acreditar (ou a fingir: para o caso e para a causa, é indiferente) que lhe roubaram a eleição de 2020; instigou os seus apoiantes à insurreição; não se demarcou dos cânticos que apelaram ao enforcamento de Mike Pence; promete perseguir e mandar prender opositores políticos; propõe um dia de purga, uma hora, vá, one really rough hour, para que a polícia possa fazer o seu trabalho livre de pressões políticas – que é como quem diz o que toda a gente suspeita –; incita permanentemente ao ódio, não só contra imigrantes, mas contra todos os que ousam dizer-lhe não; alimenta teorias conspiratórias que passam, agora, pela manipulação de fenómenos meteorológicos – de “semear” nuvens para produzir localmente chuva em regiões afectadas por secas, coisa possível, à criação de furacões obedientes, guiados como mísseis para atingirem deliberadamente estados republicanos. E, no entanto, surge como o candidato inabalável, imbatível. Intriga-me. Estúpidos ou não, não é (apenas) economia: diz quem sabe, a economia não está pior sob a administração Biden, antes pelo contrário.

Nada disto é novo, no entanto. Só nunca tinha sido omnipresente, creio.

Donald Trump emergiu como figura política altamente, visceralmente, polarizadora, para se transformar num fenómeno cultural e sociológico de quase culto. O quase é para não deixar morrer a (minha) esperança. 

Há os seus apoiantes incondicionais, capazes de embarcar em qualquer uma das realidades alternativas que o guru lança como pregões sobre a multidão em transe. O herói anti-sistema, um enviado de Deus, se não mesmo o próprio. Depois, há os cínicos. Não se sentariam à mesa para jantar com um patife daqueles, um narcisista sinistramente irritante, mas vêem em Donald Trump um veículo eficaz para aplicar a sua própria agenda; não destruir, mas moldar o tal sistema à imagem dos seus interesses, manobrando nos bastidores enquanto o show se desenrola, entretendo as massas. Será Donald Trump um político astuto ou um joguete nas mãos de vilãos mais poderosos? A História há-de mostrar, mesmo condenada a nunca ensinar.

Donald Trump tem esse carisma autoritário, repugnante, sociopata, que há-de alimentar sempre o fascínio pela transgressão, a ilusão de segurança pela força bruta, olho por olho, dente por dente, a coragem de romper convenções. E o espectáculo. A política americana sempre viveu do espectáculo. A democracia americana e a sua sociedade civil aguentarão melhor um segundo mandato de Trump ou uma nova derrota do republicano, desta vez para uma mulher que ele despreza (como, de resto, desprezará todos os que fazem questão de deixar claro que não estão para o adorar e servir)? Pacificamente, Donald Trump parece ser incapaz de aceitar até a própria vitória.