quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

“Cem Anos de Solidão” é um livro assombroso. Se há clássico que não acaba de dizer o tem para dizer (outra vénia para Italo Calvino), a obra-prima de Gabriel García Márquez é um desses: é preciso voltar; e voltar; e voltar. É sagrado. Adaptá-lo ao écran, numa série da Netflix, soa a heresia. García Márquez, que nunca aceitou ver o seu livro filmado, bem pode praguejar do Além, esconjurar os filhos: já tinham decidido publicar-lhe o “Vemo-nos em Agosto”, agora trazem a solidão de Macondo para a televisão, na sua narrativa circular e maldita.

“Vemo-nos em Agosto” devia ter ficado na gaveta, também concordo, mas a série que a Netflix acaba de estrear parece não violentar a arte de García Márquez, como se temia (se calhar só eu). Vi os dois primeiros episódios e achei realmente belo. Competente e belo. Não é o livro, não é suposto, mas, de momento, sobrevive soberbamente à sua própria maldição.