“Cem Anos de Solidão” é um livro assombroso. Se há clássico que não acaba de dizer o tem para dizer (outra vénia para Italo Calvino), a obra-prima de
Gabriel García Márquez é um desses: é preciso voltar; e voltar; e voltar. É
sagrado. Adaptá-lo ao écran, numa série da Netflix, soa a heresia. García
Márquez, que nunca aceitou ver o seu livro filmado, bem pode praguejar do Além, esconjurar os filhos: já tinham decidido publicar-lhe o “Vemo-nos
em Agosto”, agora trazem a solidão de Macondo para a televisão, na sua
narrativa circular e maldita.
“Vemo-nos em Agosto” devia ter ficado na gaveta, também concordo, mas a série
que a Netflix acaba de estrear parece não violentar a arte de García Márquez, como se temia (se calhar só eu). Vi
os dois primeiros episódios e achei realmente belo. Competente e belo. Não é o livro, não é
suposto, mas, de momento, sobrevive soberbamente à sua própria maldição.