Não
gosto de andar de avião. Não deixo de viajar por andar de avião, mas não gosto
de andar de avião. Adopto e adapto estratégias – algumas quase infantis – para iludir
o desassossego da viagem, juro furiosamente que não tenho medo, e, sempre que as
condições mo permitem, leio. Tenho uma certa inveja daquela gente que lê em
qualquer lugar, um qualquer número de páginas, numa brecha mínima de tempo: não
imagino os meus dias sem livros, mas não leio na praia, não leio em filas para
coisa nenhuma, não leio na cama e o avião é o único meio de transporte onde
posso tentar a leitura – de carro ou de comboio enjoo às primeiras linhas. Manias.
Também não tomo café em copos de plástico, nem vinho em copos sem pé – já
contei.
A
última viagem de avião foi longa e perfeita. Pude ler, e li “O Meças”, de José
Rentes de Carvalho. De uma honestidade brutal e crua. Como sempre. Uma lâmina
afiada, que penetra fundo e sem concessões na alma de um Portugal esquecido, à
margem do progresso, rural. Talvez até já inexistente, não sei, como tantos
outros portuguais esquartejados pelo autor, suponho que entre o fascínio e a repulsa, como ali se lê. Ou eu li. Parece simples (há quem lhe
chame hiperliteratura), mas não é.