As discussões públicas, nomeadamente sobre política e
futebol, tornaram-se obscenos circos mediáticos com palco nas principais
estações televisivas, mesmo nas ditas de referência. Não faltam, sequer,
palhaços de estilos vários, em solo nacional e internacional.
Apresentadores e pivôs de telejornal fazem as honras da
casa, com enorme entusiasmo e alarido, estendendo generosamente o tapete
vermelho a toda a espécie de demagogos, populistas, mentirosos, corruptos e
candidatos a corruptos, chico-espertos e mais outro tanto de artistas que
usurparam o país como cadafalso privativo, fazendo dos restantes cidadãos os
condenados. Hoje, os corninhos de Manuel Pinho seriam encarados com brandura,
quiçá, com humor ou até com bravura.
Inaugurou-se uma forma de estar na política e na vida em
que apenas os tolos se podem dar ao luxo de ter rasgos de seriedade e lisura.
As elites, essas comportam-se como bandos organizados de
arruaceiros envernizados, do chico-esperto mais básico ao finório mais ardiloso
e matreiro. De dirigentes políticos a dirigentes desportivos, de ministros e
ex-ministros a assessores, da cigarra à formiga, se não todos assim parece,
procuram proveitosos fins quaisquer que sejam os meios.
O povo, mercê da voragem vertiginosa das redes sociais,
entretém-se em intensas orgias de ódios instantâneos e fugazes repulsas,
trocando de alvo como quem troca de par em bailes de swing. Um
caderno para menina não pode ser cor-de-rosa sem que isso levante um coro de
gritos furiosos, mas um ministro em funções pode acumular ordenados com
milhares de euros mensais provenientes de recheados e famosos sacos azuis sem
que os Facebooks e os Twitteres se
incendeiem. Os que consideram uma aberração que uma avó possa parir um neto são
intelectualmente atrasados, egoístas e inclementes com a dor dos que não podem
ser pais de outra forma, mas um pedófilo pode continuar em liberdade e a
conviver com crianças até serem esgotados todos os recursos, da primeira à
última instância, pois é prova de elevado intelecto respeitar a lei até às últimas
consequências. Apontar o dedo e duvidar, à margem de decisões judiciais, da
idoneidade e honestidade de quem ostensivamente se comporta como embusteiro e
larápio revolta as entranhas dos acérrimos defensores do estado de direito e
das minudências da lei, mas a raposa, depois de condenada, pode voltar a
assenhorar-se do galinheiro que já pilhou sem que, por isso, tremam as redes
sociais.
Hoje, é possível mentir, ludibriar, roubar (muito,
claro!) sem que isso cause grande alarme social, mas limitar os géneros ao
masculino e feminino é motivo de perseguição cerrada pelas brigadas
pró-tolerância. As plataformas virtuais censuram e eliminam, implacavelmente,
imagens de nus sejam eles a origem da vida ou o terror da guerra, mas, negar o
holocausto deve, delicada e elevadamente, enquadrar-se no direito à nossa(?)
liberdade de expressão.
Somos implacáveis, mas, apenas quando isso dá likes.
De outro modo, a ira esvazia-se. Cada um segue o seu caminho por entre os
pingos da chuva. Tomadas de posição, só em massa, a reboque do rebanho e,
claro, desde que esteja na moda.
Para não fugir à regra, parece que o último golpe de génio é o aproveitamento da tragédia de Pedrogão Grande. Como não? Segundo a revista Visão, o esquema consiste na alteração das moradas fiscais, já depois da data dos incêndios, para que habitações não permanentes fossem tratadas como primeiras casas - mesmo aquelas onde ninguém vivia há anos. Que valores queremos deixar às nossas crianças e jovens? Dá nojo.