Uma amiga que estimo e que não tenho por fascista, nem
sequer por radical, confessou-me o seu voto em Bolsonaro. “O Brasil precisa de
uma ditadura”, respondeu perante o meu ar de espanto. E continuou, “o
criminoso, no Brasil, já não é um criminoso comum, a vida não vale nada, as
ruas estão tomadas pelo crime, é impossível ter uma vida normal, criar os
filhos, viver com tranquilidade. Eu não concordo com tudo o que Bolsonaro diz,
mas é preciso alguém que contenha a escalada de violência”.
Uma coisa é um fascista defender Bolsonaro. Outra coisa,
bem diferente e que tem, obrigatoriamente, de nos pôr a pensar a todos é uma
pessoa comum, pacífica, educada, vivendo em função de valores democráticos,
considerar que um homem como Bolsonaro pode ser uma solução para o Brasil. Como
Donald Trump, para os EUA, e Viktor Orbán, para a Hungria, embora estes não
estejam ao nível de Bolsonaro. Ainda?
Vale a pena lembrar que Bolsonaro preferia ter um filho
morto do que homossexual; que afirmou que o voto, no Brasil, não mudará nada,
só “uma guerra civil, fazendo o trabalho que o regime militar não fez”; que vai
“bater” se “vir dois homens se beijando na rua”; que não viola mulheres feias, porque elas não
merecem; que o “erro da ditadura foi torturar e não matar”; que os seus filhos
foram “muito bem educados” e, portanto, “não correm o risco” de se relacionarem
com mulheres negras ou com homossexuais e ele, Bolsonaro, não discute
“promiscuidade com quem quer que seja”. Ao quinto filho, Bolsonaro deu “uma
fraquejada e veio mulher” e as mulheres devem ganhar menos do que os homens
porque engravidam; os índios, ou, alguns deles, deviam “comer capim” para “manter
as origens” e os pobres devem ser “esterilizados” como forma de combater a
criminalidade e a miséria.
Admitindo que há muitos que votam em Bolsonaro e não
partilham destes juízos, como explicar, de facto, a decisão de correr o risco
de apoiar um homem como este?
Há quase dois anos, os EUA elegiam Donald Trump como o
seu 45º presidente. Poucas semanas, poucos dias!, antes daquele 8 de Novembro
de 2016, a grande maioria dos analistas e comentadores políticos, de vários
quadrantes e nacionalidades asseguravam que Trump não seria eleito. Era
impensável e impossível. E, no entanto, nem mesmo qualquer um dos típicos
escândalos – sexuais, financeiros, de interferência política – que já fizeram
cair outros candidatos presidenciais e abalaram reputações chegou para abanar
Trump, antes ou depois da sua eleição. As instituições que, afiançavam-nos,
iriam contrabalançar o poder do presidente dos EUA, eram o garante inabalável
do normal funcionamento das instituições democráticas americanas. As convicções
informadas, esclarecidas, eruditas, experientes, vão caindo como peças de um
dominó populista, demagogo e demoníaco, sem escrúpulos, porque as pessoas estão
cansadas, incrédulas e assustadas. E desesperadas!
A imposição de um “politicamento correcto” que nos tornou
refém das palavras e minou os debates políticos e sociais; os movimentos
activistas que querem promover uma igualdade que apenas oprime diferentes
formas de pensar; a exaltação dos direitos das minorias como formas veladas de
reeducação em massa das sociedades, confundido a obrigação do respeito pelo
outro com a negação da identidade do próprio; a visão romântica e simplista de
que todos os problemas sociais são possíveis de resolver com solidariedade e
“aceitação”, e a soberania ignorante e descontrolada do logro sofisticado – ou
apenas popular – instigado pelas redes sociais, esmagou a verdade, a vontade, a
cultura, a civilidade e, pior, a capacidade de reagir e contrariar.
Os políticos sem escrúpulos crescem, estão bem e começam
a recomendar-se porque a verdade deixou de ser importante, a justiça deixou de
ser cega e os factos passaram a ser, não só alternativos, como moldáveis à
vontade de cada um.
O Brasil não sobreviverá a Bolsonaro e eu temo que a
Europa sucumba à onda de "segurança" promovida pelo medo.