Eu sei. Temos muito mais com que nos preocuparmos. O
Orçamento de Estado foi aprovado por ministros que não sabiam estar de saída,
Tancos ainda vai no adro (no limite, se calhar, até o primeiro-ministro e o
presidente da república tinham conhecimento da marosca), as incompatibilidades
de Siza Vieira são(?) fantasias de gente miúda, os esquemas de Pedrogão Grande
deviam dar nojo a qualquer pessoa com o mínimo de vergonha e, escabroso, por
escabroso, já temos o caso Sócrates em todas as suas variantes. Isto só para
nos ficarmos por alguns exemplos da nossa própria miséria. Por que razão nos
deveríamos preocupar com outras coisas menores e distantes, como a morte de um
jornalista saudita? Aliás, não anda, a Arábia Saudita, a exterminar,
impunemente, civis no Iémen? Quem é que se preocupa com isso?
Mas, a Arábia Saudita admitiu, finalmente, que Jamal
Khashoggi, morreu. Como? Depois de ter entrado no consulado do seu país, em
Istambul, desentendeu-se com os oficiais sauditas de serviço, a discussão
azedou, seguiu-se uma escalada de violência que culminou numa luta entre
as partes envolvidas. Desse confronto físico resultou a morte do jornalista. É
espantoso como algo tão simples de explicar e de entender demorou mais de duas
semanas a comunicar pelo regime de Riade. Se calhar, entregar o corpo do
jornalista ajudava a corroborar a tese, mas, talvez seja rude sugeri-lo.
Donald Trump aceitou como credíveis as
explicações sobre as circunstâncias da morte de Khashoggi, embora, o que que
aconteceu seja, claro, inaceitável. Que alívio! O que seria, ter de
punir severamente um aliado estratégico desta categoria! Se o
jornalista morreu numa luta que, desafortunadamente, correu muito mal para o
próprio, os milhares de milhões de dólares que EUA lucram com os negócios da
coroa saudita estão a salvo. Trump é um empresário de mão-cheia.
Nem sei por que motivo Donald Trump mantém os serviços de
inteligência americanos. Afinal, quando lidamos com homens e mulheres de
palavra não são necessárias outras formas de averiguação da verdade dos factos.
Houve interferência russa nas últimas eleições americanas? Pergunta-se ao
Putin. Ele diz que não houve, não houve. Brett Kavanaugh tem um passado de
abuso sobre mulheres? Questiona-se o próprio. O homem diz que não, chorou e
tudo, por isso, não; a Ford, no mínimo, está confusa, no máximo, é uma
tresloucada mentirosa. O príncipe Mohammed bin Salman mandou torturar e
eliminar um jornalista incómodo e desbocado? Pergunta-se a Riade. Eles dizem
que não, o homem morreu num confronto violento com outros conterrâneos. Óptimo,
era o que imaginávamos. Vamos ter de os punir na mesma, mas poucochinho; e sem
prejuízos financeiros. Que mania, que toda a gente é culpada até prova em
contrário! Se, afinal, nem sequer são precisas provas, basta a palavra dos
presumíveis prevaricadores.
Donald Trump vende-se, como uma prostituta de luxo, às mentiras de Riade para poder usufruir, pelo menos, dos negócios chorudos. Vejamos se o que resta da América vai consentir continuar a prostitui-se também. As expectativas não são animadoras. Há muito que a hipocrisia e os interesses económicos dominam as relações entre os estados ditadores e os seus benevolente aliados. Se a Arábia Saudita e a sua coroa se saírem bem com mais este assassinato está aberta a porta para um período da nossa História que se avizinha bastante negro. Outra vez.