O vídeo que mostra um energúmeno (não se pode chamar
homem àquilo!) a insultar violentamente uma mulher negra, idosa e com algumas
dificuldades motoras, num voo da Ryanair, é absolutamente ultrajante para
qualquer pessoa com o mínimo de decência, independentemente da cor,
nacionalidade e todos os outros etcetaras. É de indignar à náusea.
Incomodado – que deve ser o estado natural daquela
criatura, que só deve preocupar-se com o seu branco e bonito, imagino, umbigo –
vai vomitando impropérios até chegar ao inqualificável ugly black bastard.
Entretanto, já tinha apelidado a mulher de vaca, feia, repetidamente, e outros
tantos abusos. Perante a relativa, senão indiferença, passividade da maioria
dos restantes passageiros e tripulação.
A filha, creio, da mulher reclama e manda-o calar-se, sem
sucesso, enquanto alguns passageiros vão saindo de cena (diz-se de fininho),
porque, se ficar a ouvir públicos discursos de ódio, em pleno século XXI!, não
é para todos, defender alguém dos insultos mais primários e reles,
aparentemente, também não. Por azar, naquele voo, naquele dia, não devia haver
ninguém da brigada dos ofendidos instantâneos das redes sociais – e, sim,
sinto-me à vontade para criticar, ferozmente, porque já me meti onde não(?) era
chamada por muito, mas muito menos: não é coragem, é fracos fígados para certas
obscenidades intoleráveis. Excepção e honra feitas à pessoa que filma (neste
caso, talvez se justifique, de facto) e a um outro rapaz que está na fila
imediatamente atrás e que há-de acabar por intervir.
Já o monstro espuma de raiva e de ódio por todos os poros
do muito grande e muito branco corpo quando, finalmente, o tal jovem lhe diz
que já chega, que baixe o tom de voz, que não há necessidade disso. A senhora,
entretanto, diz-lhe que ele cheira mal. A besta responde que tomou um banho de
manhã. Não se apercebe que tresanda, também, da alma pobre e apodrecida, não,
eventualmente, só do corpo. Mais alguém – parece ser o homem que filma – se
compadece da mulher e diz ao comissário de bordo para o expulsarem a ele, à
boçal avantesma.
Estou furiosa, tenho as unhas cravadas nas palmas das mãos, apetece-me gritar para o écran, incrédula pela facilidade da agressão, pela vulgaridade, pela falta de pudor, pelo deboche, não me fale numa língua estrangeira, se eu digo para ela sair, ela sai, e qualquer coisa dentro de mim instiga-me a dizer à mulher (como se ela me ouvisse e não se tivessem já passado dois dias) manda-o à merda, paga-lhe na mesma moeda e chama-lhe porco, gordo e seboso, que é exactamente o que ele parece. Recomponho-me e penso, não, não é civilizado combater o insulto com o insulto. Raios partam a educação, mas é o que nos distingue dos ineptos. Chamo o meu filho e mostro-lhe o vídeo. A educação também é isto. Conversamos sobre o que se deve e não deve fazer em situações como aquela; sobre o respeito pelo outro; e, sim, mesmo que o outro seja um imbecil fanático e acéfalo. Mas não deixo de lhe recordar que “para que o mal triunfe, basta que os homens bons não façam nada”. E penso que, talvez, nunca como agora tenha sido tão urgente apelar, já não apenas à voz, mas ao mais enérgico clamor de repúdio de todos os homens bons.