Por vezes, demasiadas, a sensação de impotência e
injustiça tolda-nos a razão. Acontece, mesmo aos mais ponderados. Nos tempos
actuais, dominados por mentiras habilidosas e argutas que os intelectuais
modernos gostam de chamar notícias falsas e os mais
cosmopolitas, fake (mas, ainda assim) news, em que
as democracias parecem definhar sob o peso de todas as frustrações
civilizacionais e em que todos os ódios e preconceitos saltam, a diário, dos
armários como peças de roupa vintage desempoeiradas e revitalizadas pelas novas tendências,
nestes tempos, dizia, é difícil manter alguma clareza de ideias e algumas
noções básicas de urbanidade. Mesmo assim, ainda esperamos – pelo menos, alguns
de nós – que quem tem responsabilidades acrescidas no funcionamento (cada vez
menos) democrático das sociedades tidas como tal seja capaz de alguma
seriedade.
Não sei bem se se tratou de uma nuvem passageira, de
devaneio, no caso, ou se, pelo contrário, a leviandade veio para se instalar,
de armas e bagagens, varrendo qualquer réstia de discernimento e sem poupar
nenhuma área. O caso é que, indignados com a indignação do ministro da
Administração Interna face à publicação e exposição gratuita de imagens de
criminosos capturados e algemados e a aparente falta dela pelo estado das
vítimas, alguns, pasme-se!, agentes da polícia, resolveram, também eles,
publicar fotografias de idosos agredidos. No que veio a saber-se ser uma
fotomontagem (cada vez melhor...), um dos sindicatos que representam agentes de
autoridade, hostilizavam, de forma desonesta, irónica e vergonhosa, vozes
críticas à primeira publicação. Como se não bastasse, A Associação
Sócio-Profissional Independente da Guarda, veio aumentar o ruído afirmando, sem
qualquer prurido, que os “criminosos não são merecedores do mesmo respeito, por
parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao cidadão comum" e que num
Estado de direito democrático parece que não deve haver gritarias na
promoção da defesa dos direitos humanos sem se estar na posse da realidade dos
factos.
Fiquei um pouco confusa. Mas, no essencial, percebi duas
coisas e ambas não auguram nada de bom. Primeiro: há agentes da lei que estão a
borrifar-se para o cumprimento da dita, a mesma que juraram servir,
seguramente, com honra. Segundo: aqui está um belo exemplo de decadência
democrática, em que uma espécie de verdade relativa – afinal,
quem é que não respeita mais uma vítima do que um criminoso? Ah, espera…–
pode ser manipulada para exacerbar os ânimos e extremar opiniões
diferentes.
A democracia tem defeitos. Um deles é admitir
que, sim, os criminosos também têm direito à dignidade e aos direitos humanos.
Às vezes, os que ainda acreditamos nos tais Estados Democráticos, sentimos
impotência, frustração e raiva e para isso é que a democracia serve. Para não
sucumbirmos à cegueira brutal e crua que Saramago, um dia, tão
bem retratou.