quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Alexandre, o Justiceiro

Carlos Alexandre é um homem simples; ou, pelo menos, assim o apregoa. Odiado por José Sócrates e pelos seus doutos advogados, talvez se tenha tornado juiz por influência – ainda que involuntária – do pai. Mais exactamente, pela injustiça de que o progenitor terá sido alvo, na fábrica onde trabalhava. Segundo a sua entrevista mais recente, à RTP1, foi por aqui que começou a resposta à pergunta “porque que é que escolheu a profissão de juiz”. É um homem que preza a justiça e isso, por si só, não é um defeito, pelo contrário. A questão é onde é que acaba o sentido de justiça e começa o ajuste de contas puro e duro.

Numa outra e mais antiga entrevista que o homem que teve a coragem de mandar prender José Sócrates (e Ricardo Salgado) deu, à época, ao Expresso, já tinha referido algumas das advertências de que, segundo o próprio, já foi alvo, como “deves meter-te com gajos do teu tamanho porque precisas do teu ordenado para comer” ou “se não souberes colar os cromos na caderneta não terás direito a brinde.” E dada a elegância e a profundidade dos recados, sou até tentada a acreditar que é verdade. O excesso de humildade, no entanto, cai-me sempre mal. Não digo que todos saibamos, ou tenhamos de saber, lidar bem com o elogio. Eu própria “defendo-me” melhor de um insulto do que de um elogio demasiado sério, mas desconfio bastante de apregoados despojamentos exacerbados em causa própria. Nessa tal outra entrevista, Carlos Alexandre também disse quanto ganhava, quanto gastava e quanto devia, suspirando um “se todos fossem como eu…”, que é a parte que eu não gosto, porque, quando somos tão, mas tão virtuosos, caramba!, alguém, forçosamente, há-de reparar sem a nossa ajuda, não? E prezo muito quem é capaz de se sobrepor às agruras da vida. Fui a primeira pessoa da minha família (neta mais velha de dois filhos mais velhos de famílias pobres, não há que ter medo de chamar as coisas pelos nomes) a entrar para a faculdade e a tirar um curso superior. A seguir, foi a minha irmã. Respeito a seriedade do juiz Carlos Alexandre, só não tenho grande admiração pelos laivos de vaidosismo saloio. Mas, a questão nem é essa.

A questão agora é que, sorteado que foi o nome do “rival” Ivo Rosa para a instrução do processo Operação Maquês, a coisa, aparentemente, caiu mal ao não-gosto-que-me-chamem-super-juiz. Por motivos “pessoais”, e que se absterá de referir ao longo da nova entrevista, “porque são pessoais”, lá está, viu-se compelido a pedir autorização para não estar presente no dito sorteio, sobre o qual veio levantar suspeitas de irregularidades. A culpa pode estar nos algoritmos, e não tem piada, nem é suposto. Aparentemente, o juiz Carlos Alexandre suspeita que o sorteio dos processos judiciais foi ou pode ser manipulado.

Mandava o bom senso que, pelo menos, em casos sérios, não se levantassem suspeitas em vão. Principalmente por parte daqueles que devem, por maioria de razão, salvaguardar as instituições que representam. Vá lá saber-se porquê, temos dificuldade em lidar com verdades básicas e o rigor da retórica perde-se no gozo da mesma. Nem sei se se pode chamar entrevista àquilo. E com que intuito. Perdi-me entre os generais e os náufragos de Garcia Marquez e fiquei confusa.

Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura abriu ou vai abrir, obviamente, um inquérito do qual podem, eventualmente, resultar processos disciplinares e assim se inquina um pouco mais um processo que se deveria tratar com o máximo rigor e seriedade. Foi bom, para serviço público…esperemos que, à boleia de justiceiros e vingadores de trazer por casa, não se destrua o pouco que resta da credibilidade na justiça portuguesa. Já nos chega Tancos.