Carlos Alexandre é um homem simples; ou, pelo menos,
assim o apregoa. Odiado por José Sócrates e pelos seus doutos advogados, talvez
se tenha tornado juiz por influência – ainda que involuntária – do pai. Mais
exactamente, pela injustiça de que o progenitor terá sido alvo, na fábrica onde
trabalhava. Segundo a sua entrevista mais recente, à RTP1, foi por aqui que
começou a resposta à pergunta “porque que é que escolheu a profissão de
juiz”. É um homem que preza a justiça e isso, por si só, não é um defeito,
pelo contrário. A questão é onde é que acaba o sentido de justiça e começa o
ajuste de contas puro e duro.
Numa outra e mais antiga entrevista que o homem que teve
a coragem de mandar prender José Sócrates (e Ricardo Salgado) deu, à época, ao
Expresso, já tinha referido algumas das advertências de que, segundo o próprio,
já foi alvo, como “deves meter-te com gajos do teu tamanho porque
precisas do teu ordenado para comer” ou “se não souberes colar
os cromos na caderneta não terás direito a brinde.” E dada a elegância
e a profundidade dos recados, sou até tentada a acreditar que é verdade. O
excesso de humildade, no entanto, cai-me sempre mal. Não digo que todos
saibamos, ou tenhamos de saber, lidar bem com o elogio. Eu própria “defendo-me”
melhor de um insulto do que de um elogio demasiado sério, mas desconfio
bastante de apregoados despojamentos exacerbados em causa própria. Nessa tal
outra entrevista, Carlos Alexandre também disse quanto ganhava, quanto gastava
e quanto devia, suspirando um “se todos fossem como eu…”, que é a parte que eu
não gosto, porque, quando somos tão, mas tão virtuosos, caramba!, alguém,
forçosamente, há-de reparar sem a nossa ajuda, não? E prezo muito quem é capaz
de se sobrepor às agruras da vida. Fui a primeira pessoa da minha família (neta
mais velha de dois filhos mais velhos de famílias pobres, não há que ter medo
de chamar as coisas pelos nomes) a entrar para a faculdade e a tirar um curso
superior. A seguir, foi a minha irmã. Respeito a seriedade do juiz Carlos
Alexandre, só não tenho grande admiração pelos laivos de vaidosismo saloio.
Mas, a questão nem é essa.
A questão agora é que, sorteado que foi o nome do “rival”
Ivo Rosa para a instrução do processo Operação Maquês, a coisa, aparentemente,
caiu mal ao não-gosto-que-me-chamem-super-juiz. Por motivos “pessoais”, e que
se absterá de referir ao longo da nova entrevista, “porque são
pessoais”, lá está, viu-se compelido a pedir autorização para não estar
presente no dito sorteio, sobre o qual veio levantar suspeitas de
irregularidades. A culpa pode estar nos algoritmos, e não tem piada, nem é
suposto. Aparentemente, o juiz Carlos Alexandre suspeita que o sorteio dos
processos judiciais foi ou pode ser manipulado.
Mandava o bom senso que, pelo menos, em casos sérios, não
se levantassem suspeitas em vão. Principalmente por parte daqueles que devem,
por maioria de razão, salvaguardar as instituições que representam. Vá lá
saber-se porquê, temos dificuldade em lidar com verdades básicas e o rigor da
retórica perde-se no gozo da mesma. Nem sei se se pode chamar entrevista
àquilo. E com que intuito. Perdi-me entre os generais e os náufragos de Garcia
Marquez e fiquei confusa.
Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura abriu ou
vai abrir, obviamente, um inquérito do qual podem, eventualmente, resultar
processos disciplinares e assim se inquina um pouco mais um processo que se
deveria tratar com o máximo rigor e seriedade. Foi bom, para serviço
público…esperemos que, à boleia de justiceiros e vingadores de trazer por casa,
não se destrua o pouco que resta da credibilidade na justiça portuguesa. Já nos
chega Tancos.