De repente, o Brasil transformou-se numa espécie de
gigantesco templo dessa seita que dá pelo nome de Igreja Universal do Reino de
Deus, onde digníssimos pastores andam de jacto privado, instrumento
maravilhoso para a evangelização do mundo, pois até Jesus Cristo não
andaria hoje montado no burro, se estivesse fisicamente na Terra.
É capaz.
Seja como for, o santíssimo, devotíssimo e duas vezes
messiânico Bolsonaro, esse proclamado e aclamado mito, tomou, finalmente, posse
como 38º Presidente do Brasil. Ontem, juntamente com a amantíssima mulher,
desfilou num descapotável, sob a graça de Nosso Senhor, ela de Grace Kelly, ele
igual a si próprio, logo, medonho, sem alfaiate que lhe valha, porque é uma
fealdade também superlativa que brota de dentro e jorra, putrefacta e
incontida, conspurcando tudo em seu redor. Bolsonaro é a voz do povo
brasileiro, que lhe deu 58 milhões de votos para a defesa dos valores da
pátria e para “restabelecer os padrões éticos e morais que transformarão
nosso Brasil”. O de alguns, pelo menos. “Bíblia, Boi e Bala”, a nova
Santíssima Trindade, em nome da qual Jair baptizou o novo Brasil, resgatado do
Inferno, da corrupção e, principalmente, das malhas do PT. Os
fiéis exultam, os impuros definham, como merecem.
Um pouco mais acima, ainda assim, abaixo de Deus, outro
patriótico Salvador elogia o discurso. Pelo menos dois homens valentes e
corajosos empenhados em construir, cada um, uma nação à sua imagem e
semelhança, “sem discriminação ou divisão”, o primeiro, despedindo e
insultando todos os que se lhe opõem, o outro, provavelmente, disparando as
armas que simula empunhar, pelo menos, até que a evocação da “Ordem e o
Progresso” legitime, de vez, o direito à legítima defesa por parte
do “cidadão de bem”. E não há cidadão de bem que não apoie Bolsonaro,
que foi eleito com a “campanha mais barata da história”. Imagino que, se
houver dúvidas, ou dívidas, os acertos de contas ficarão a cargo da nova
primeira-dama, não fosse o novo presidente um homem irrepreensivelmente
impoluto, que não tem tempo de sair e, sobretudo, não quer esconder nada, não é
essa a intenção.
Abraham Lincoln disse, um dia, que quase todos os homens
são capazes de suportar a adversidade, mas, que se alguém quiser testar o
carácter de um homem, deve dar-lhe poder. Pois, chegou o tempo de testar, não o
carácter de um homem, mas o de nações inteiras. E a resistência de um regime
que deixou de ser o melhor, senão para todos, para muitos. Demasiados.