Há dias em que se torna particularmente penoso (ainda que
só) passar os olhos pelas notícias. Parece que, momentaneamente (para alguns, o
momento prolonga-se indefinidamente…), a razão, o sentido crítico (ou outro
qualquer), a lucidez, a inteligência ou, tão somente, a competência, deixam de
pairar sobre aqueles que têm a obrigação de, uns, governar, outros, informar.
O país continua suspenso das explicações (ir)responsáveis
e mais ou menos manhosas acerca de dois acontecimentos recentes e difíceis de
tolerar em democracia ou nos ditos países civilizados (parece a mesma coisa,
mas não é bem): Pedrógão Grande e os seus mortos, que a todos deve envergonhar,
e o assalto a Tancos.
Uma tragédia como a de Pedrogão Grande nunca deveria
acontecer em país nenhum; mas nunca poderia ter acontecido num país como
Portugal. Ainda sinto uma náusea profunda quando penso que alguém, no nosso
país, pôde (pode?) perder a vida estupidamente encurralado numa estrada
nacional, sob um calor infernal, pois de inferno se tratou em mais do que um
sentido. A somar-se à tragédia, à morte gratuita - e, por isso, insuportável -
e à dor daquelas famílias, junta-se a despudorada inabilidade do governo para
encontrar respostas e soluções que sosseguem, que nos sosseguem, e que honrem a
memória dos que perderam a vida de forma tão insana.
António Costa começou por achar por bem não adiar o seu
mais que merecido descanso. Afinal, as férias já estavam marcadas e o
primeiro-ministro esteve sempre contactado e contactável e, portanto, sempre a
par dos acontecimentos. O problema é aquela velha máxima: em política, o que
parece é e o que pareceu é que o primeiro-ministro não considerou que a
dimensão e a gravidade da tragédia de Pedrogão fossem suficientes para não ir
de férias.
Passados os banhos, agora não nos entendemos quanto ao
número de mortos. Como se o facto de um só morto que fosse como resultado do
completo desnorte que se viveu naquele fatídico fim de semana não fosse
suficiente para inibir António Costa de afirmar que o governo não contabiliza
os mortos. “A dimensão desta tragédia não se mede pela dimensão dos números.”
Pois não. Mas a dimensão dos políticos, a dimensão dos Homens, mede-se pela
capacidade de lidar com as tragédias, principalmente, com as de colossal e
dolorosa dimensão. Bem sei que a ligeireza ou a (muito útil)
descontextualização das palavras e afirmações encobrem, muitas vezes, a
profundidade dos sentimentos e dos pesares, mas, lá está, em política…
Os dramáticos e irremediáveis fogos de verão têm destas
coisas. Deixam-nos um pouco alienados. Hoje, na sic notícias, vejo um
jornalista mostrar a gula impiedosa das chamas descontroladas junto a uma casa,
em Mação; está tão próximo que diz sentir o fogo queimar-lhe as costas, fala de
uma “segurança relativa nos próximos segundos” e reclama com o bombeiro que
tenta afastar a equipa da sic do local: “estou em directo, não pode fazer isso,
desculpe lá”. Antes, ainda tinha pedido ao operador de câmara para “entrar” e
mostrar os bombeiros… Ensandecemos? Bem sei que, em circunstâncias extremas e
por dever de profissão, há jornalistas que fintam a sorte e pisam o risco
chegando mesmo a colocar em jogo as suas próprias vidas, mas será esta uma
dessas situações?
Entretanto, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o
general Pina Monteiro foi ao Parlamento esclarecer qual do material roubado em
Tancos é que, efectivamente, estaria seleccionado para ser abatido.
Não era “todo” o material. Eram só os “lança-granadas foguetes” que
“provavelmente não terão probabilidade de funcionar com eficácia.” Estamos
todos muito mais descansados. Se não fosse tão grave, podíamos brincar às
guerras, como o saudoso Raúl Solnado: "eles bombardeavam às segundas,
quartas e sextas, e a gente bombardeava às terças, quintas e sábados". E lá
vamos vivendo…