segunda-feira, 4 de maio de 2020

Circunstâncias Sociais


Chegam, com estrondo, à caixa auto-serviço. O miúdo tenta ajudar, mas a máquina é implacável e vai resmungando bips de protesto contra a altercação da ordem pré-estabelecida pela engenharia que a comanda. A mãe exaspera-se. Uma daquelas mães cujo desespero em crescendo transparece com caprichada fúria e a dose de drama necessária para atrair todas as atenções. A assistente vai olhando de soslaio com o enfado típico de quem se fartou de presenciar dramas de mães exasperadas e outros de gravidade idêntica. 
A máquina grita - com a mãe, com o miúdo - a assistente, sem sair da cadeira, atira com um ainda não pode tirar as coisas daí, o miúdo encolhe-se, a mãe tem a máscara pelo pescoço e os nervos por todo o lado e vai rosnando contra a incompetência do filho, de todos os filhos, vocês agora não têm jeito p'ra nada, desfiando, em seguida, um rol de rosários de sentenças e agravos, até que a assistente lá se decide, finalmente, a prestar algum auxílio no resgate das verduras que mirram do lado errado do mono de metal e acrílico programado ao detalhe para lhe facilitar a vida.
Voltamos a cruzar-nos no parque de estacionamento. A mãe, agora, de máscara no sítio, já toda ela amor e doçura, de brandos modos, segurando os sacos de compras sem a menor denúncia de alvoroço de há pouco. Só o miúdo continua encolhido. Os olhos turvos esbarrando nos meus.