quinta-feira, 30 de julho de 2020




Arrasta-se em peregrinação, acendendo as velas que transporta ao colo como um filho, com a devoção dos mártires. Move-se em silêncio, no ar, como um anjo, como se o próprio acto de pisar o chão sagrado se constituísse sacrilégio, ali mesmo e contra sua vontade. Espreito-a pelo canto do olho. Parece perseguir-me, mas sei que é só uma ilusão. Percorremos o mesmo caminho casualmente, alentadas de diferentes propósitos. Eu, numa demanda do belo, apenas, sem aspirar a transcendência maior que a de pasmar diante da arte de domar o traço, as cores, a mistura de ambos com o travo de loucura que assiste somente aos génios.

A igreja está vazia de gente. Como a rua lá fora, numa quietude que assombra, desumana e velhaca. Mas na igreja, nas igrejas, pelo menos, movem-se os reflexos, sussurram as sombras vertidas pelas exíguas entradas de luz, animam-se de cores as pinturas dos tectos e das capelas, soltam-se os dourados dos altares, como faíscas, as naves imensas, cobiçosas como arcas de tesouros, e os mármores perfeitos embalando santos de pedra maciça.

A mulher continua fechada em si mesma, sem me ver, tomada de orações, enfiada no mesmo silêncio imutável e seco, e eu na minha contemplação sem fé, profana, rendida apenas ao génio dos homens. Ou, talvez, o divino tenha os seus desígnios e, estes, os seus próprios embustes.

 


E não vinha falar de nada disto, mas pus-me a organizar fotografias e perdi-me, como me acontece tantas vezes, nem sempre pelos melhores motivos.