>Já
está um bocadinho longe, no tempo e no trato, do stupid woman que, num
acesso de irritação e idiotice, Jeremy Corbyn atirou a Theresa May, então sua primeira-ministra, mas, os britânicos sempre foram mais polite. O
insulto também tem berço. Além de género, cor, credo, enfim, o enxovalho terá
sempre o cunho do escandaloso detalhe que nos enerva para lá do razoável e é a
melhor (pior!) arma de arremesso quando escasseiam argumentos. E inteligência. O
insulto grosseiro é a expressão máxima da falta de inteligência, ainda que a
falha seja momentânea, ao contrário do dano que provoca. Não subscrevo, não
totalmente, pelo menos, a teoria de que palavras não são acções e, portanto, ao
contrário destas, não matam. As palavras podem matar. Se acenderem o rastilho,
se completarem o triângulo. Tal como não é o calor, sozinho, que faz rebentar os
incêndios em que Portugal se consome a cada verão, mas, sem ele, não haveria
fogo que pegasse.
Mas
falava de insultos. E, ainda assim, há uma imensidão de diferenças entre o stupid
woman de Jeremy Corbyn e o fucking bitch que o congressista
republicano da Florida, Ted Yoho rosnou à porta do Capitólio, Washington D.C., tendo como alvo
da sua miserável fúria a congressista americana Alexandria
Ocasio-Cortez. A resposta da congressista é, como já li, uma obra-prima. Em
vários sentidos. A sua intervenção é de uma lucidez assombrosa. Cristalina. Ali,
Alexandria Ocasio-Cortez expõe-se, denuncia, rejeita. Sem vitimização, mas sem subterfúgios, quase sem
emoção. Não basta a um homem ter mulher e filhas para ser decente, afirma, enquanto vai lembrando outros insultos de que já foi alvo por parte de outros homens. Outros políticos
igualmente respeitáveis – Donald Trump, o inqualificável presidente
norte-americano mandou-a p´ra sua terra, como se diria (e diz!) por cá;
o candidato a governador da Florida chamou-lhe rapariga ou lá o que ela é –, ou
os anónimos que já teve de aturar e enfrentar como empregada de mesa, nas
viagens de metro, ou, simplesmente, por caminhar na rua. Já foi, como tantas de
nós, mulheres perigosas, assediada vezes suficientes para não se sentir
particularmente horrorizada pela linguagem de taberna, mesmo quando proferida
por alguém de fato e gravata e camisa elegante, de botões de punho. Nem todas chegámos
ainda, infelizmente, à clareza arrojada de Ocasio-Cortez. O seu testemunho
devia ser visto por todas as mulheres. Principalmente, por aquelas que são
sistematicamente, jocosamente, abusadas pelos cobardes de serviço e do costume.
“Um
homem pode ser poderoso e assediar mulheres. Pode ter filhas e assediar
mulheres, sem remorsos. Pode posar para a fotografia e projectar para o mundo a
imagem de um homem de família e assediar mulheres, sem remorsos e com
um sentimento de impunidade. Acontece todos os dias neste país. Aconteceu aqui,
nos degraus do Capitólio da nossa nação”.
A rejeição e a denúncia, isto eu já subscrevo. Totalmente.
A rejeição e a denúncia, isto eu já subscrevo. Totalmente.