quarta-feira, 29 de julho de 2020

Dedicado a todas as "cabras de merda"





>Já está um bocadinho longe, no tempo e no trato, do stupid woman que, num acesso de irritação e idiotice, Jeremy Corbyn atirou a Theresa May, então sua primeira-ministra, mas, os britânicos sempre foram mais polite. O insulto também tem berço. Além de género, cor, credo, enfim, o enxovalho terá sempre o cunho do escandaloso detalhe que nos enerva para lá do razoável e é a melhor (pior!) arma de arremesso quando escasseiam argumentos. E inteligência. O insulto grosseiro é a expressão máxima da falta de inteligência, ainda que a falha seja momentânea, ao contrário do dano que provoca. Não subscrevo, não totalmente, pelo menos, a teoria de que palavras não são acções e, portanto, ao contrário destas, não matam. As palavras podem matar. Se acenderem o rastilho, se completarem o triângulo. Tal como não é o calor, sozinho, que faz rebentar os incêndios em que Portugal se consome a cada verão, mas, sem ele, não haveria fogo que pegasse.
Mas falava de insultos. E, ainda assim, há uma imensidão de diferenças entre o stupid woman de Jeremy Corbyn e o fucking bitch que o congressista republicano da Florida, Ted Yoho rosnou à porta do Capitólio, Washington D.C., tendo como alvo da sua miserável fúria a congressista americana Alexandria Ocasio-Cortez. A resposta da congressista é, como já li, uma obra-prima. Em vários sentidos. A sua intervenção é de uma lucidez assombrosa. Cristalina. Ali, Alexandria Ocasio-Cortez expõe-se, denuncia, rejeita. Sem vitimização, mas sem subterfúgios, quase sem emoção. Não basta a um homem ter mulher e filhas para ser decente, afirma, enquanto vai lembrando outros insultos de que já foi alvo por parte de outros homens. Outros políticos igualmente respeitáveis – Donald Trump, o inqualificável presidente norte-americano mandou-a p´ra sua terra, como se diria (e diz!) por cá; o candidato a governador da Florida chamou-lhe rapariga ou lá o que ela é –, ou os anónimos que já teve de aturar e enfrentar como empregada de mesa, nas viagens de metro, ou, simplesmente, por caminhar na rua. Já foi, como tantas de nós, mulheres perigosas, assediada vezes suficientes para não se sentir particularmente horrorizada pela linguagem de taberna, mesmo quando proferida por alguém de fato e gravata e camisa elegante, de botões de punho. Nem todas chegámos ainda, infelizmente, à clareza arrojada de Ocasio-Cortez. O seu testemunho devia ser visto por todas as mulheres. Principalmente, por aquelas que são sistematicamente, jocosamente, abusadas pelos cobardes de serviço e do costume.

“Um homem pode ser poderoso e assediar mulheres. Pode ter filhas e assediar mulheres, sem remorsos. Pode posar para a fotografia e projectar para o mundo a imagem de um homem de família e assediar mulheres, sem remorsos e com um sentimento de impunidade. Acontece todos os dias neste país. Aconteceu aqui, nos degraus do Capitólio da nossa nação”. 
A rejeição e a denúncia, isto eu já subscrevo. Totalmente.