sexta-feira, 10 de julho de 2020

No país dos esquemas, é só mais um...

A primeira vez que alguém me propôs dinheiro a troco da realização de um exame foi, talvez, há uns quatro anos. Demorei uns minutos a perceber o alcance da proposta de fraude. Começou com uma pergunta tão inocente quanto legítima, na forma de sms para o meu contacto telefónico profissional: era eu fulana-de-tal, que preparava alunos assim-assim para exames assim-assado?, e mais uns quantos pormenores a que fui respondendo com a ingenuidade que, por vezes, me assalta, me irrita e me desespera, tendo em conta os anos que levo disto, que já levava na altura, e que são, realmente, muitos.

Quando comecei a assimilar a dimensão da coisa, respondi que haveria, certamente, algum equívoco, já que o meu trabalho não era esse. A criatura ofendeu-se com o meu atrevimento, quem é que eu achava que era!, e atirou-me com um valor obsceno, perguntando-me se não chegava. Respondi que não era questão de valor, antes uma questão de valores, e dei a conversa por encerrada.


A última vez que recebi uma proposta idêntica, não chegámos à parte do valor. Foi há cerca de um mês e a pergunta foi directa, tal como a resposta, e não houve mais assunto. Pelos vistos, a fraude está muito mais agilizada e traz muito menos constrangimentos. Já não me sinto tão chocada. Afinal, os que embarcam no esquema limitam-se a reproduzir um comportamento que, desde as mais altas esferas do Estado e arredores, não só não vêem penalizado, como vêem, muitos vezes, premiado. O incómodo, o escândalo, a indignação parecem emergir apenas quando não se pode comer do pote.