terça-feira, 29 de setembro de 2020

Estranhezas

 


Choveu, e há um cheiro intenso a terra fértil e a musgo verde. Coada pelos ramos altos e quase despidos das árvores, a luz morna da manhã estica-se, apressada, sobre o chão húmido, exaltando as cores de Outono em pulsos desordenados, como o bater de um coração antecipando a tempestade.

No tronco da árvore maior, não muito acima do solo, há uma cavidade aberta, semi-oculta, inundada a diferentes tempos pela luz que lá chega ao sabor do andamento das nuvens carregadas ainda. Mesmo aí, à entrada, uma pequena aranha de ventre ovalado e negro encontrou algum abrigo enquanto tece a sua teia de seda, ardilosa, uma artesã paciente e escrupulosa numa azáfama encantada, movendo as patas muito finas, um maestro guiando uma orquestra a movimentos precisos, subindo e descendo, soltando melodias silenciosas magistralmente materializadas numa renda delicada e enganadoramente frágil, um leito fatal aguardando a primeira presa.

Suspenso na parte já esculpida da teia, há um fio fino de gotinhas cristalinas de água harmoniosamente alinhadas como as contas de um colar.

Tenho tempo. Fico a vê-la montar o seu ardil. Paciente como ela.