Choveu, e há um
cheiro intenso a terra fértil e a musgo verde. Coada pelos ramos altos e quase
despidos das árvores, a luz morna da manhã estica-se, apressada, sobre o chão
húmido, exaltando as cores de Outono em pulsos desordenados, como o bater de um
coração antecipando a tempestade.
No tronco da árvore
maior, não muito acima do solo, há uma cavidade aberta, semi-oculta, inundada a
diferentes tempos pela luz que lá chega ao sabor do andamento das nuvens
carregadas ainda. Mesmo aí, à entrada, uma pequena aranha de ventre ovalado e
negro encontrou algum abrigo enquanto tece a sua teia de seda, ardilosa, uma
artesã paciente e escrupulosa numa azáfama encantada, movendo as patas muito
finas, um maestro guiando uma orquestra a movimentos precisos, subindo e descendo,
soltando melodias silenciosas magistralmente materializadas numa renda delicada
e enganadoramente frágil, um leito fatal aguardando a primeira presa.
Suspenso na parte já
esculpida da teia, há um fio fino de gotinhas cristalinas de água
harmoniosamente alinhadas como as contas de um colar.
Tenho tempo. Fico a vê-la montar o seu ardil. Paciente como ela.