quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O tal debate


Creio que nunca terei ficado acordada com o único propósito de ver ao vivo, mais ou menos, um debate entre candidatos às eleições americanas. Mas, os tempos são outros e tenho a imensa sorte de dormir muitíssimo bem e, se for caso disso (muito raramente é), retomar facilmente o sono a meio da noite. Pois bem, ontem era o caso. Tinha uma grande expectativa sobre o confronto entre Donald Trump e Joe Biden, o que prova que devo estar a ficar senil.

Partilho das opiniões generalizadas, de que o debate foi miserável. Na verdade, para lá de miserável. Achei péssima a prestação de Chris Wallace, não gostei de ouvir Biden chamar palhaço a Trump – não é que a criatura não seja bem pior que isso e talvez até nem tenha sido um deslize – e surpreende-me sempre a deferência que existe com os descaradamente mentirosos poderosos, a quem nunca se exige, com a mesma assertividade implacável que se reserva aos outros, que provem o que estão a dizer, que documentem, que expliquem. Claro que isso também é difícil, quando se tenta estabelecer o mínimo de conversa com alguém com o perfil do actual presidente dos EUA. Aliás, se nos abstrairmos disso, Trump é, realmente, uma personalidade fascinante do ponto de vista médico – da área da psiquiatria. O nosso protótipo nacional só não se lhe assemelha porque, precisamente, é-lhe mais difícil fingir que é tão ignóbil quanto pretende parecer. Já Trump é o que é, é-lhe indiferente, e lida lindamente com todos os atropelos à verdade dos factos porque criou a sua própria realidade virtual, que os seus apoiantes mais fiéis trazem em ombros sobre as ruínas do que vão esmagando pelo caminho. Só lhe falta mesmo o shoot somebody no meio da 5ª Avenida e safar-se com isso, who cares?

Claro que Trump não foi capaz de assegurar que vai aceitar os resultados das eleições se perder  não vai – nem de condenar os grupos de supremacistas brancos pelos actos de violência; usou o habitual tom jocoso (estou tão preparado, quem é que quer que eu condene) para, imediatamente a seguir, lançar achas para a fogueira que o há-de manter vivo até 3 de Novembro, pelo menos: “Proud Boys, stand back and stand by. But I'll tell you what: Somebody's got to do something about antifa and the left. Because this is not a right-wing problem — this is a left-wing problem”, e os Proud Boys, very proud, já vieram responder, heil trump, quantas cabeças partidas quer? 

É importante semear o caos para, depois, impor a lei e a ordem. 

 


Não vai acabar bem. Não vai acabar nada bem. E é penoso ver o estado a que chegou a América. Mais do que miserável.