Hoje li uma simpática
homenagem ao criador da Mafalda. Entre outras coisas, um leitor do PÚBLICO dizia
que alguns dos livros da Mafalda de Joaquim Salvador Lavado Tejón deveriam
fazer parte do Plano Nacional de Leitura, e a sugestão pareceu-me muito pouco
absurda.
Não sei bem quando é
que me cruzei com a Mafalda. Quando dei por ela, já andava a copiar as minhas tiras
preferidas (desenho pessimamente, mas copio desenhos alheios, alguns desenhos
alheios, com alguma competência; mínima, jamais poderia tornar-me uma
perigosíssima falsificadora, infelizmente, porque, se fosse o caso, pelo menos
podia copiar-me as obras de que mais gosto e não tenho como adquirir legitimamente…bolas!),
a colori-las, a plastificá-las e a usá-las como marcadores de livros. Não saberia explicar o ritual, ainda que tal coisa fosse necessária, e não é. Excepto que sempre fui uma leitora compulsiva, continuo a
gostar de marcadores de livros e aquele tempo que passava a copiar os desenhos
de Quino, a rir-me com a Mafalda e os amigos, entre críticas corrosivas e
manifestos sociais e políticos, suspensa de mim mesma e do mundo dela,
eram uma espécie de terapia em alguns dias demasiados compridos, principalmente
no Verão de que me cansava rapidamente. Actualmente vivemos em saudável e cordial harmonia, eu e o
Verão, mas não foi sempre assim e, além disso, gosto muito das mudanças de estação;
embora essas mudanças se diluam já bastante entre os caprichos do tempo que
também moldamos, trazem-me sempre uma vontade renovada, um hálito fresco que me
alimenta.
Há sempre gente que
vive muito para além do tempo que por cá passa. Muitos deles, felizmente, pelos
melhores motivos. Será o caso de Quino, para muitos de nós. Já a Mafalda habita, ainda, em cada acto de rebeldia, em cada dedo em
riste apontado a todos os atropelos com que esbarramos pelo caminho, e assim
permanecerá por mais anos; eventualmente, contra a vontade do seu criador que esperaria poder chegar a ver um mundo melhor. Muito melhor. Um mundo em que os canalhas continuassem
confinados às suas tocas porque um mínimo de decência generalizada os impediria
de zurrar, menos ainda, em horário nobre e, principalmente, ver-se-iam incapacitados de adulterar, descaradamente, as regras democráticas, subjugando-as à
sua vilania, assessorados por uma turba de maníacos sem
escrúpulos, que já nem precisam de fingir uma gota que seja de decoro moral, uma qualquer
sombra de lisura.
A Mafalda está mais viva do que nunca. E, sim, isso é desolador. Mas, enquanto não a perdermos, sobra qualquer coisa de esperança.