segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Entre (boas) memórias

 

Há um casal magnífico, com a filha, imagino, os dois vestidos de cores vibrantes como o compasso soprado das ondas. Ele leva um turbante exuberante, em tons de lilás e vermelho, o mesmo vermelho que ela exibe nas tranças que lhe caem pelas costas onde a bebé repousa num marsúpio verde, matizado, em contraste com o vestido branco, amoroso, de mangas curtas, de folhos. Ela de corpete preto, de renda, e saia comprida, azul do mar que admira, manchada de rosas a meia perna e um debrum laranja, a remate, radiante como um pôr-do-sol. Ele veste uma túnica igualmente negra e umas calças de estilo tribal, largas, de amplas cornucópias douradas sobre um fundo violeta-escuro. O sol aquece com ardor, e ela abre uma sombrinha, de rebordo picotado, espalhando a usual estampa colorida de elefantes da Índia, enquanto ele se apressa a ajudar, tomando-lha das mãos para abrigar a menina da inclemência do meio-dia. Param por um breve instante, para logo seguir caminho, os três, um caleidoscópio assimétrico, igualmente belo, dando cor e forma à melodia que o mar não se cansa de tocar.

 

Era um outro tempo, não muito distante, em que as crianças não tinham receio de se deitar no chão, de se sujar e brincar, as mãos e a cara coladas no mármore para espreitar, pasmadas, a magia daquele capricho de engenharia, conduzindo notas que nunca se cansam, pautas que nunca se esgotam.

 

A minha amiga fotografou-os. Ao belo casal com a sua bebé. Eu não fui capaz. Com medo de quebrar  encanto.