O cego vai batendo com
a bengala nas pedras que dão forma à calçada bordada no passeio estreito e
iluminado pelo radioso sol primaveril. Parece um pouco aflito, confundido,
procurando algo que não se acha ali, mas devia, e, nessa ligeira angústia, roda
sobre si próprio, ora à esquerda, ora à direita, sem nunca se distanciar
demasiado daquele ruído metálico que a calçada devolve.
Do outro lado da
rua, um homem atenta no desassossego urgente do cego. Encaminha-se para ele.
-Precisa de alguma coisa?
-Estou
à procura da lavandaria, mas, parece-me que não é por aqui… - a bengala
batucando, ágil e certeira, no chão e no rebordo do passeio, soltando notas,
compondo sílabas desencontradas.
-Há
aqui uma lavandaria, um pouco mais à frente, eu levo-o até lá – e pega-lhe no
braço, suavemente, orientando-o no caminho adiante.
Não
chegam a meia-dúzia de passos. O cego sobressalta-se, olhando em frente, atento
ao diálogo que arranca do chão a golpes firmes, experimentados. Estaca,
teimoso, no passeio, “não, não é por aqui”, enquanto o homem insiste, “está
logo ali, a lavandaria, já lhe vejo a porta de entrada”. Mas, o cego não
vacila, não duvida, “não é por aqui”, e logo volta atrás, arredio e decidido.
-Ó amigo,
tenha calma. Eu levo-o aonde o senhor precisar de ir. Diga-me, exactamente, que
lavandaria é essa, porque, aqui, não conheço outra além desta…
E o cego explicou, apaziguado, confiando no seu instinto e na bondade do
homem.
-Eu
saio do autocarro, viro à direita, caminho uns poucos de metros à minha frente,
viro novamente à direita e encontro logo a lavandaria…há dois degraus à
entrada…
Então,
os dois homens voltam atrás, juntos. Retomam o caminho a partir da paragem do
autocarro e vão seguindo a memória do cego. A bengala vai à frente,
matraqueando, marcando o passo, astuta e ligeira, materializando acordes que
apenas o cego pode ler e decifrar.
-Ah, parece-me que, agora, sim, já vou no caminho certo – alegra-se o cego, estugando o passo. O homem segue-o, expedito, suspendo daquela melodia a que não é totalmente surdo, mas que nunca chega a compreender.
Só mais uns passos, à esquina direita da rua, e, lá está ela, “sim, agora vou bem!”, a lavandaria com os seus dois degraus à entrada. De fora, não se percebe que há uma lavandaria no interior, porque a loja tem várias secções. O cego conhece-a bem, o homem nunca antes havia reparado nela.
-Obrigado!
-Ora essa…boa
tarde! – e o homem volta à sua rotina, uma admiração alegre e prazenteira
estampada no rosto.
(Numa normal Primavera passada)