quinta-feira, 5 de novembro de 2020

De manhã, ao acordar, há uma pequena fracção de segundo em que tudo parece vazio. Um estado de semi-inconsciência, muito ténue, fugaz, em que o mundo ainda não se abateu sobre mim e, por um minúsculo instante, não há mortos, nem números, nem distâncias, nem contágios ou contagens, nem ruína iminente. Nem saudade. Não há, sequer, o canto dos pássaros, nem os gritos esganiçados das gaivotas. Nem uma ameaça de sobressalto. Apenas um nada, imenso, de quietude, imediatamente antes do alarme.  

Despido o embuste, há um mundo em ebulição. Há uma linha de calendário, um ano miserável, sôfrego, calamitoso - espantoso, simultaneamente -, que não dá tréguas. Vivemos - nós, no presente - um momento histórico. Diz-se isso, muitas vezes: um momento histórico. Mas, este, é mesmo um tempo extraordinário. Gostaria de viver o suficiente para vir a poder olhá-lo com o distanciamento que merece. Para tentar entender o que, de momento, é absolutamente insano.