segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Tudo bons rapazes


Estou obcecada com o processo em curso para as eleições presidenciais americanas. Entre o estupor e uma espécie de fascínio macabro. Posso perguntar-me quinhentas mil vezes ou mais e nunca hei-de perceber como alguém com a dose mínima de decência consegue apoiar alguém como Donald Trump. Para o cargo mais alto da nação, quero dizer. Como personagem de entretenimento, é uma figura imbatível.

Na semana que terminou, apoiantes seus, de carro, perseguiram a caravana de campanha de Biden que se dirigia para um qualquer evento no Texas. Um dos veículos conduzido por um dos fanáticos adeptos de Trump abalroou, intencionalmente, um veículo conduzido por um dos apoiantes de Biden. Claro, ninguém está livre de ter um apoiante maluco. Mas, o caso não é esse. Com Trump, o caso nunca é só esse. Apressou-se, como sempre, a tuitar que adora o Texas, como já disse – no típico tom pateta e indecente fora dos moldes de um reality-show (aqui, já toda a gente sabe ao que vai), que espera por terça-feira para despedir Anthony Fauci. Como já antes tinha gozado com a deficiência de um jornalista, perante uma assembleia de idiotas que baba (no mínimo, que é o se pode ver) cada vez que o idiota-mor vomita qualquer insulto. Começo a ter mais “respeito” (com muitas, muitas aspas) pelos supremacistas brancos assumidíssimos, do que por aquela gente que se enche de sedas e folhos e botões de punho para dizer que Biden é que jamais – assim, em francês, com a elegância que se espera. E eu até gosto de francês. E até acho que há gente que merece ser gozada. À bruta.

 

Por falar em eleições, parece que os Açores vão ensaiar uma geringonça insular. Passada a quase apoplexia (se ainda não passou – e há gente para quem ainda não passou – passará agora) do PSD com a marosca política de António Costa, é tempo de tentar o mesmo. Como é sabido, todas as indecências políticas por que se rasgam vestes na oposição, passam a aceitáveis, e respeitáveis, quando fazem antever a conquista do tal Poder, seja lá o que isso for. O Poder. Até o CHEGA pode passar a, sim, sim, já chega para haver o entendimento que sempre repudiámos. O sistema é um nojo apenas enquanto não se lhe deita a mão e, na verdade, nesse aspecto, não parece haver grande diferença daquele partido para os outros.

E prepara-se outro confinamento. Pergunto-me quanto tempo mais (nos) vamos aguentar. O meu filho pergunta se eu acho que isto acaba alguma vez, como se eu soubesse alguma coisa sobre o assunto; mas, juro-lhe que sim, que vai acabar, claro que vai acabar, e abraço-o e encho-o de beijos enquanto posso (posso, não posso?), enquanto ele ainda me deixa. Há uma idade menos desgraçada para passar por isto, afinal. São estes 13 anos, em que já não se está a dar os primeiros passos neste mundo às avessas, mas também ainda não se chegou bem àquela maravilhosa loucura da adolescência. Como será? Viver a adolescência nestes tempos, sem poder cometer pecados, sem viver arrebatadamente, a primeira paixão, o primeiro beijo, a primeira mentira a merecer castigo?

Pela Europa, multiplicam-se as manifestações contra as restrições impostas pelos diferentes governos. Porém, há manifestações e manifestações. Há vontades e vontades. Não consigo perceber as lutas pela liberdade de fazer o que me apetece quando me apetece e onde me apetece que, mais coisa menos coisa, acabam em destruição porque sim. Manifestações violentas de gente que acredita em teorias da conspiração mirabolantes. Outra coisa são as manifestações pela liberdade de se viver do trabalho e não de subsídios, ou de caridade. Este equilíbrio – entre a economia e a saúde, no limite indecente da salvaguarda de ambas – é terrível de fazer. Não queria estar no lugar de nenhum daqueles que têm esta tarefa entre mãos, neste momento. Não sei se já não teria atirado a toalha e dado lugar a outro, com a quantidade de gente que sabe qual é a melhor estratégia a aplicar para tourear o bicho. Há quem julgue que se mantêm lugares exclusivamente pela ganância, pelo interesse próprio, pelo poder (ia dizer pelo prestígio, mas, creio que, em política, isso já não existe). Eu também. Excepto, talvez, em casos destes. Alguém consegue passar por tudo isto sem uma pontinha que seja de sentido de Estado e de serviço público? Se calhar há e eu estou só a ser demasiado ingénua, ou coisa pior.

 

Volto às eleições americanas. Ao contrário de outros, temo que Donald Trump ganhe, novamente, mesmo de forma lícita. Afinal, a liberdade – inclusive a de expressão – só está em perigo quando é ameaçada pela esquerda. Ou pelos terroristas islâmicos. O bullying como arma política, essa forma de combater os adversários da forma mais abjecta possível, pelo insulto de taberna, pela violência de gangue, pelo assédio mais rasteiro, isso é só a Democracia a funcionar. E, se calhar, é mesmo, o que torna tudo ainda mais tenebroso.