quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Os olhos dele esbarram nos meus, por momentos. Pelos olhos, essa forma não nova de comunicação que a nova forma de comunicação veio exaltar, adivinho-lhe o sorriso que a máscara esconde e creio que lho devolvo. O sorriso. Cordiais, ambos. O corredor é estreito, não caberíamos os dois mesmo que o distanciamento físico não fosse o novo normal (não se pode dizer, já sei; e há um distanciamento físico que sempre cultivei, ainda a pandemia não era pandemia, e outro distanciamento físico a que não há pandemia que me obrigue), e ele desvia-se para me deixar passar. A mulher que o acompanha abespinha-se, atira-lhe um resmungo ressequido, és tão simpático para toda a gente, só para mim nunca és tão simpático, ou qualquer coisa assim, e fico a pensar se a culpa de todas as misérias que nos atormentam a alma é deste ano mafarrico, ou se 2020 é só a desculpa ideal para alguns dos nossos desacertos mais sombrios.