Diz-me que não posso caminhar por ali. Não antes de me desejar uma boa tarde. “A ciclovia está fechada.” Ainda penso adverti-lo, eu mesma, para o óbvio: estou a meio do caminho, precisamente naquele troço em que, tendo iniciado o percurso daquele lado da estrada, acabarei inevitavelmente, como todos, contrariados ou proibidos que estejam, a percorrer meia dúzia de metros sobre a tal ciclovia diligentemente encerrada, agora.
Como não posso sair dali directamente para a parte mais baixa onde está o agente da polícia que me aborda, a não ser saltando do pequeno muro – coisa que não me apetece nem em dias bons, de desconfinamento – agradeço a informação, é disso somente que se trata, e sigo o meu caminho. O mesmo que já trazia, porque não há outro, e pergunto-me porque não hão-de estar o carro patrulha mais os seus dois ocupantes logo ali, no início da bendita ciclovia, desviando a bom tempo os transeuntes para o lado certo do passeio. Defeito meu, que, mesmo sendo portuguesa de todos os costados que prestem para esse efeito, creio, percebo que há singularidades da coisa que teimam em escapar-me. E, sim, poderia eu própria ter sido mais previdente e expedita e ter cruzado a rua nada mais iniciar o passeio. Mas vou demasiadas vezes encerrada em mim mesma, desatenta, perdida nos meus pensamentos.
A meio desse caminho, por onde me perco e me livro de amarras, por momentos, e das grades do novo confinamento, podemos dizer "novo confinamento"?, há um banco de madeira gasta, de frente para o mar, que alguém se esqueceu de selar devidamente, como ditariam as regras. Ao contrário, ficou ali em sossego, desamordaçado, tricotado contra a paisagem, entre a erva rasteira e uma estreita e discreta língua de areia grossa.
É quase, quase fim de tarde e não há ninguém. Acabo por sentar-me, ignorando restrições e ordens, enxotando conscientemente o remorso. Será apenas um instante. Enquanto fico a ver como as ondas do mar correm para mim, ao longe, levantando cristas de espuma antes de virem despedaçar-se contra as rochas, abrindo braços de algodão branco, concêntricos, em círculos imperfeitos. Estriados, como uma espantosa teia de aranha. Ou uma estrela-do-mar. Vejo, ou imagino, soltarem-se salpicos dos imensos mantos de espuma, como pequenos projécteis de neve macia que parecem subir em parábola e cruzar as rotas das três gaivotas que voam num desassossego esganiçado.
Se eu estivesse mais perto, talvez algum desses pequenos novelos brancos, quase desfeitos, pudesse pousar sobre no meu rosto, levemente, e revelar-me, entre avisos, alguns desses caminhos, desses segredos mais preciosos. Em troca dos meus.