quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Hoje não há horizonte. O céu vestiu-se de um cinzento espesso, baço e pegajoso, e apagou a linha recta, perfeita, onde gosto tanto de escrever histórias.

A chuva chove um choro morno de queixumes abafados, uma ladainha de saudade e abandono como o crepitar lento e frouxo de uma chama que ameaça sufocar. 

Ainda gosto de tardes assim. Tardes cinzentas, de agasalho e canções de embalar. Um marulhar de memórias e, sim, segredos sussurrados ao ouvido, como preces. O sobressalto em que me desfaço. 

A chuva a estalar lá fora, baixinho, para se esvaziar, depois, num sopro curto e grave contra o chão nu, enegrecido. O respingar rouco das folhas que o vento, incasto, desassossega sem decoro. Um latejar inacabado. O estrepitar do muro onde me guardei julgando-me a salvo. Louca. O silêncio que sobra e estremece; o que se desprende das sombras onde me deixo ficar.