terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Ninguém sabe muito bem o que fazer com o líder do Chega, como ninguém soube muito bem o que fazer com a ascensão apoteótica de popularidade de Donald Trump.

André Ventura é um populista vaidoso que dança conforme a música e que defende os “princípios” que lhe forem mais úteis em cada momento. Mas também já se percebeu que isso interessa pouco e de pouco adianta tentar desvalorizar ou tentar humilhar estes santos de pau oco. Essa é uma estratégia que contribui, apenas, para empolgar o fenómeno. O tipo de discurso de André Ventura vende como castanhas quentes porque há sempre, na vida de cada um de nós, um momento em que sentimos algumas destas coisas como verdade. Justa ou injustamente, por muito breve que seja esse momento e por muitos remorsos que possamos sentir a seguir. O facto de cada adversário ter o seu próprio telhado de vidro, uma janelinha pequena que seja, serve primorosamente os propósitos do espectáculo que estes verdadeiros artistas sabem montar como ninguém. O discurso aos gritos, o dedo em riste, enxotar as acusações com outro golpe de teatro, sem esmorecer nunca no contra-ataque são balas certeiras e desfazem o alvo com a eficácia pretendida, minuciosamente calculada. O insulto fácil e sem sobressaltos de consciência desfaz o que quer que tenha sobrado. Infalível.

A direita não voltará ao poder tão cedo sem o apoio do Chega – como não se cansa de nos explicar, (im)pacientemente, o João Miguel Tavares – e, como é sabido, o que verdadeiramente importa é chegar ao poder. O que fazer, depois, com esse poder é todo um outro tratado.

O homem que, em Portugal, não quer ser o presidente de todos os portugueses tornou-se omnipresente em todas as discussões políticas.  A gritos, mas não só. A comunicação social não gosta que se lhe aponte responsabilidades na promoção do fenómeno trump à portuguesa, mas há responsabilidades sim. Se não noutra coisa, na enorme falta de jeito para lidar com o assunto. Até agora, nos “debates presidenciais”.

Não entendo o discurso do “não me interessa a forma”, para apoiar André Ventura. Como para apoiar Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Quem ouviu André Ventura defender a sua direita sabe muito bem ao que vai, quando decidir entregar-lhe o voto. Não venham esses, depois, encher-se de espanto e de nojo com as consequências, como fizeram alguns dos nossos mais fervorosos simpatizantes das políticas do ainda presidente dos EUA. Estava tudo a correr tão bem, não era, até à chegada do homem dos corninhos de viking, ou lá o que era. Começo a ter mais apreço (não é apreço, mas falta-me qualquer coisa melhor) pelos trogloditas assumidos do que por aqueles que se distraem em contorcionismos para se fingirem castos.

 

Ainda a propósito da melhor forma de combater estes protótipos de fascistas, que não se podem chamar fascistas, tenho muitos dúvidas sobre a melhor estratégia de lhes tirar palco, mesmo sabendo que é urgente impor um limite entre a liberdade de expressão e a liberdade de difundir as mentiras mais obscenas. Mas, agora, não tenho mais tempo.

 

E vamos reconfinar. Abstenho-me de grandes considerações sobre o assunto, porque, com excepção das teorias da minha liberdade acima de tudo e a qualquer custo, e, havendo custo, de preferência, que o paguem outros, sou capaz de aceitar argumentos pró e contra. Estou assim de perdida, neste tema…