sábado, 12 de junho de 2021

O menino dorme um sono tranquilo, enrolado na manta branca e macia. Está esgotado da viagem. As chamas bailam, insubmissas, moldando os toros de pinheiro acabado de rachar e o calor vai emprestando ao ar da sala um suave odor a resina, enquanto a madeira geme baixinho em estalidos secos e quentes que embalam a conversa solta e fora de horas. É um tempo de recordação e memórias, de lembrar um passado que se fez de mais de um século e que finda agora como, daí a pouco, a chama amarelecida da lareira que, por ora, afaga suavemente a face apaziguada do menino.

Dizem as gentes da terra que já não há mulheres assim. Daquelas que dão à luz sozinhas, parindo nada mais chegar do campo, com uma ligeira indisposição, talvez seja a hora, vou a casa, ver se isto passa ou se, pelo contrário, aqueço, antes, a água na panela, enquanto ato, numa pressa, um lençol grande a duas cadeiras, para ajudar a amparar a menina, para o caso de estar mesmo a chegar. E o caso é que lá chegou, assim foi, num enorme pranto, cheia de vida acabada de colher no meio da sala, num lençol limpo, não demasiado esticado, é preciso uma tesoura, escaldada, pelo sim, pelo não, também lá está, logo ali à mão, e a menina sozinha com sua mãe, como se, à época, fizesse falta qualquer outra coisa mais. Talvez a parteira, que já não veio a tempo, é certo, mas, ao menos, só para ter a certeza que as duas estão bem de saúde. Está tudo como deve ser. E a dorzita passou, afinal. Calhando, amanhã, ainda volto ao campo… 

Seguramente, ainda haverá mulheres assim. Era bom que já não houvesse, que fôssemos realmente todas iguais.

O menino ainda dorme, sob o olhar amoroso. 

Não acredito em anjos. Se acreditasse, talvez fosse fácil imaginá-los assim, aquecidos pelo lume da lareira, ouvindo histórias de encantar, num sono quieto e venturoso.