O menino dorme um
sono tranquilo, enrolado na manta branca e macia. Está esgotado da viagem. As
chamas bailam, insubmissas, moldando os toros de pinheiro acabado de rachar e o
calor vai emprestando ao ar da sala um suave odor a resina, enquanto a madeira
geme baixinho em estalidos secos e quentes que embalam a conversa solta e fora
de horas. É um tempo de recordação e memórias, de lembrar um passado que se fez
de mais de um século e que finda agora como, daí a pouco, a chama amarelecida
da lareira que, por ora, afaga suavemente a face apaziguada do menino.
Dizem as gentes da
terra que já não há mulheres assim. Daquelas que dão à luz sozinhas, parindo
nada mais chegar do campo, com uma ligeira indisposição, talvez seja a
hora, vou a casa, ver se isto passa ou se,
pelo contrário, aqueço, antes, a água na panela, enquanto ato, numa pressa, um
lençol grande a duas cadeiras, para ajudar a amparar a menina, para o caso de
estar mesmo a chegar. E o caso é que lá chegou, assim foi, num enorme pranto,
cheia de vida acabada de colher no meio da sala, num lençol limpo, não
demasiado esticado, é preciso uma tesoura, escaldada, pelo sim, pelo não,
também lá está, logo ali à mão, e a menina sozinha com sua mãe, como se, à
época, fizesse falta qualquer outra coisa mais. Talvez a parteira, que já não
veio a tempo, é certo, mas, ao menos, só para ter a certeza que as duas estão
bem de saúde. Está tudo como deve ser. E a dorzita passou, afinal. Calhando,
amanhã, ainda volto ao campo…
Seguramente, ainda
haverá mulheres assim. Era bom que já não houvesse, que fôssemos realmente todas iguais.
O menino ainda dorme, sob o olhar amoroso.
Não acredito em anjos. Se acreditasse, talvez fosse fácil imaginá-los assim, aquecidos pelo lume da lareira, ouvindo histórias de encantar, num sono quieto e venturoso.