terça-feira, 13 de julho de 2021

Há noites em que a noite cheira a mar. Depois do céu todo o dia barrento, arenoso e baço, as gaivotas voam em círculos excêntricos, evaporando-se de encontro ao pôr-do-sol, sumindo-se em gritos estrídulos, conjurando agoiros. E o cheiro a mar vai subindo de mansinho, na penumbra, como um nevoeiro invertido, até encharcar a noite. É um instante até que a maresia se deixe pousar na minha pele. Gosto do cheiro a mar na minha pele. Alguém escreveu que a pele é um instrumento de cordas. Sou capaz de jurar que era exactamente assim, um instrumento de cordas, mas já não recordo onde li e não voltei a encontrar. É uma definição tão óbvia e tão bela que lamento não ter sido capaz de pensá-la, de enunciá-la antes. Às vezes deixo escapar o óbvio, mesmo que intensamente belo. Pode o belo ser insuportável? Sempre que te ouço falar de saudade sinto-a como se fosse minha.