O primeiro romance publicado
de Marieke Lucas Rijneveld – a jovem, branca, não
binária e não adequada tradutora da obra de outra jovem, poeta, negra, não sei
de que género – não conta nada “a história de uma família conservadora e muito
religiosa do interior rural dos Países Baixos, destroçada pela morte trágica do
filho mais velho”. Também não é sobre desassossego. Desassossego
é uma palavra belíssima e o belo não se aplica ao livro de Marieke Lucas
Rijneveld. Devorei-o. Impressiona-me sempre que alguém tão jovem possa escrever
de forma tão violenta e crua. Sobra o quê, depois disso, enlouquece-se por um
momento, soma-se um caos interior ao caos dos dias, ou as palavras são só
palavras, as histórias são só histórias, escreve-se o que se escreve e passa-se
ao capítulo seguinte, porque o escritor é apenas um manipulador e a escrita o
embuste que verte das horas que tardam em esvaziar-se?
Não sei quanto de Marieke
Lucas Rijneveld deambula por aquelas páginas, mas ela (ele, they
ou o equivalente, como prefere?) diz que os pais têm medo de ler o livro. Acredito.
E talvez nem seja livro para ler encerrada neste tempo. A não ser por todo
aquele que nunca teve ou já perdeu a ilusão do mundo melhor que havia de vir
nos braços curados da pandemia.
Na televisão, uma
senhora grita contra a ingratidão da família benquista. Como é possível? Luís
Filipe Vieira, esse outro grande empreendedor do panorama empresarial português,
o homem que agarrou num clube falido e o fez grande outra vez, eleito pela
parte que interessa do povo para se sentar no centro da presidência do glorioso
e à direita daquele que já foi dono disto tudo, a quem o Benfica deve muito
mais do que os dois milhões que esses miseráveis ingratos dizem que o homem
roubou ao clube, uma heresia que nem a presunção de inocência que o Pedro Marques Lopes
não se cansa de pregar à quinta-feira à noite é capaz de redimir. E a isto se
resumem as preocupações do país. Ignorante é a outra senhora antes daquela, a
que veio indignar-se porque foi obrigada a ir aos correios liquidar uma dívida
de trinta e qualquer coisa cêntimos às Finanças e porque um banco bom insiste
em pedir-lhe que resolva outra dívida, esta de dezassete euros na sequência de
um qualquer fecho de contas…