Tenho andado a rever coisas que escrevi noutro canto.
Como não vou regressar ali (ainda não decidi o que farei com os destroços), tenho
transferido para aqui, para o “arquivo”, a maioria dos textos. Um arquivo com um leve tom de falsete, porque o “outradecoisanenhuma” só existe desde Janeiro de 2020, mas
um arquivo é um arquivo, não é?, e a pessoa que escreve desde aí é a mesma pessoa que
escrevia até aí, tanto quanto uma pessoa possa ser a mesma ano após ano, apenas
num local diferente.
Adiante.
No meio do muito que escrevi, reencontrei um texto sobre a
situação que se vivia na Venezuela em Janeiro de 2019, com a autoproclamação de
Juan Guaidó como presidente interino do país, como forma de resistência ao
poder de Nicolás Maduro. Eram “momentos históricos”, dizia-se, a História está cheia de “momentos
históricos”, evidentemente. Aqueles, levaram dezenas de países a reconhecer
Juan Guaidó como Presidente da Venezuela, e eu era capaz de jurar que, na
respectiva página e num dia vinte e qualquer coisa desse Janeiro, a Wikipédia o
dava mesmo como o 58º Presidente da Venezuela; depois passou a presidente
interino da Venezuela e, finalmente, presidente autoproclamado da Venezuela (e
10º presidente da Assembleia Nacional da Venezuela). E aonde é que eu vou com tudo isto? Em princípio, a nenhum lado, exactamente como aconteceu a Juan Guaidó, a quem
a EU, pelo menos, já deixou de reconhecer como Presidente da Venezuela. Ocorreu-me,
apenas, que, daqui a nada, as imagens dos vários canais de televisão no mundo livre
deixarão de transmitir as manisfestações no Afeganistão contra o regime talibã,
onde muitas mulheres – e não só, mas apetece-me falar sobretudo das mulheres –
têm resistido como podem ao terror que se avizinha e, daqui a nada, dizia, o
silêncio dará lugar ao esquecimento e o esquecimento abrirá caminho à
imposição, outra vez, da Sharia, essa lei obscura que serve mais ao poder do homem e menos ao poder divino, e não consigo sequer imaginar o que é viver encarcerada
numa burka, sob um regime que cala em nome de, violenta em nome de, mutila em nome de, mata em nome de. Não só mulheres, mas porque me apetece lembrar, sobretudo, as mulheres. E o que me repugna
assistir ao juízo que alguns fazem da liberdade. E por esses alguns, entendo o
idiota do juiz Castro mais as suas majoretes, ou o imbecil do deputado José Magalhães. Entre outros, mas, de momento, só me apetece nomear estes.
Há um tipo de desplante vilipendiado, roubado à ideia de liberdade, que me enoja.