Queria
ter qualquer coisa a dizer sobre a ameaça de chumbo do orçamento de estado.
Uma opinião sólida, bem formada (das outras, tenho uma diferente para cada dia
da semana), acerca da crise que paira sobre o dia depois de amanhã, se amanhã
se confirmar o desentendimento definitivo das esquerdas. Não tenho. A
política, como o amor, tem razões que a própria razão desconhece. Sobre o
coração poder assumir-se de maior sensatez do que a razão, como presumem os mais
românticos para suavizar a angústia, não arrisco considerações. Mas, em
política, o que predomina demasiadas vezes é a azia dos maus fígados. Ingovernabilidade,
é a palavra que se segue, enquanto comentadores e analistas tentam fazer encaixar
novas peças que ajudem a reconstruir o puzzle. Enternece-se saber que não sou só
eu: anda tudo aos papéis, e não são exactamente os das contas do orçamento. A
bazuca era outra, afinal, um torpedo de grandes dimensões que, aparentemente,
ninguém viu chegar. Pode ser que ainda venha a falhar o alvo, embora haja já danos
irreparáveis. “Irreparável” (ou é "irregovável"?), em política, vale o que vale, mas, adiante. Vou
colecionando títulos de notícias na esperança de encontrar também a vontade e o
tempo que merecem que lhes dedique. Preciso de equilibrar o tempo entre o dever e o prazer, nenhum deles necessariamente no singular. E ler um poema dura-me por um dia inteiro. Às
vezes mais. Guardo os versos na boca, deixo que se desfaçam lentamente, sílaba
a sílaba, letra a letra, o quente e o frio, o doce, o salgado, um atropelo descarado
de repetições inquietas. Irrequietas. Como as contas de um rosário, se fosse meu o hábito
de rezar.