As
peças de artesanato enchem completamente a loja. A terceira a contar do início da segunda
rua que desce à esquerda, nada mais passar a loja do antiquário excêntrico, o
dos baús repletos de roupa de festa e dos colares grossos, maciços, de ligas ricas
de prata, pendurados com elegância feminina nos mostradores de madeira entalhada
e pintada à mão. Não há GPS. Ainda preciso de contar as ruas, decorar outros
entalhes, as portas de outras lojas e o padrão da pedra lascada nas paredes
sujas das esquinas onde devo virar.
O
próprio chão está quase todo coberto de tapetes de muitas cores, os de
entrançado idêntico sobrepostos em camadas compondo uma imensa tela de
intermináveis escamas garridas. Um caleidoscópio. Gosto do vermelho exuberante dos
tapetes berbere, mas não só.
Há
candeeiros de vários tamanhos, de ferro retorcido e pele de camelo pintada; as cornucópias
do ferro lembrando as suaves colunas de fumo dos cachimbos de água que os
homens fumam nas escadas de pedra voltadas para o mar, e as pinturas, tatuagens
de henna num gradiente ondulado de ocres. Peças de latão martelado em desenhos
geométricos, e outras de estanho liso denso e baço – algumas das minhas preferidas. Tajines
de argila rosa e puffs de pele cosida a linha grossa, torcida como as tranças
do chapéu de palha da velha sem idade que se senta sempre ao fundo da mesma
escada à entrada do mercado de verduras.
A
loja está quase às escuras. Tudo o que vejo, é o que já vi antes. A luz só se
acende generosamente quando há turistas e eu já perdi esse estatuto. Sou residente.
Expatriada, quando eu era demasiado jovem e pensava saber o que havia
para saber sobre ser-se expatriado.
Chamo-lhe Ali Baba porque, desde o primeiro dia, a sua loja leva-me à memória da caverna dos quarenta ladrões. Ele ri-se, fechando os olhos, e não se ofende. Nunca se ofendeu. Recebe-me sempre de braços abertos, mesmo sabendo que não me deixo abraçar. Já não me oferece o chá, que me enjoa miseravelmente. Sabe que prefiro sempre o café, quente e amargo; solo. De pé, de braços esticados paralelos ao chão fofo de tapetes, com a djellaba riscada em tons suaves de azul, lembra-me uma janela voltada para o mar que se agita, invisível, lá ao fundo. A noite de ontem foi de tempestade. Em noites de tempestade, aquele mar enlouquece. Conheço aquele mar nas noites assim. Os barcos sobem e descem como finas folhas à mercê da fúria dilatada das ondas. Desde lá de dentro, num instante, vêem-se as luzes embaciadas dos candeeiros do porto, e, no instante seguinte, o ventre do mar contrai-se violentamente num espasmo vazio, grave, e só se vê o negro íngreme da água subindo vertiginosamente. Toda a Noite silva, redundante como ecos.
Pergunta-me
se quero agora tomar o meu café.