sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Move-se com o roçagar áspero do voo das traças contra a luz baça dos candeeiros de rua. É velha, muita velha, de uma idade corrupta, sem a solenidade do Tempo e da Memória, e tudo nela me repugna, a pele encarquilhada e lívida, o cheiro acre, fermentado, a voz num assobio agudo como o silvo dos répteis. Mas é, sobretudo, o assombro com que me olha; com a devassidão da cobiça. Detesto-a, detesto-a. Torna-se-me insuportável. 

Distrai-me o ressoar lamuriento do vento nos tubos de aço do andaime em frente à Igreja, um colossal corpete de varas metálicas amparando-lhe a ruína de séculos. O ar sabe a penitência. Sexta-feira de cinzas. 

Volto o rosto e já não a vejo, sumiu-se numa nuvem de agoiros, como as bruxas dos contos que não se contam agora. Ainda a detesto.