sexta-feira, 19 de abril de 2024

Um País Falhado

A resignação com que aceitamos não sei se a incompetência, a leviandade, o abuso, a agenda, ou tudo isso em um, do Ministério Público é coisa que não pára de me espantar.

Quando José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa pensei, como outros ingénuos, que seria impossível uma acção daquelas sem uma acusação sólida, assente em provas fumegantes: não poderia ser de outra maneira, arriscar um passo daqueles, mesmo sabendo quão difícil é provar alguns crimes, como os de corrupção. Passaram quase dez anos e o mais provável é Sócrates não chegar, sequer, a ser julgado. À parte todos os expedientes jurídicos com a intenção única de adiar, adiar, adiar, junta-se a bizarra inépcia da acusação, facilmente desmembrada por advogados competentes, capazes de arrancar a pele à Lei. Há crimes em risco de prescrever, claro, e com jeitinho, o Estado – ao que parece, somos nós – ainda virá a ser alvo de um pedido de indemnização capaz de liquidar todos os empréstimos generosos do amigo Santos Silva.

Claro que as acusações não podem ser tomadas por factos e a justiça faz-se nos tribunais; mesmo no caso de José Sócrates, em que só os mais ingénuos entre os mais ingénuos acreditam no era uma vez um amigo tão rico tão rico, que gostava tanto mas tanto de mim, que, apenas por amizade e generosidade, não só financiava todas as minhas despesas correntes e incorrentes, como me permitia uso e abuso de apartamentos em Paris com usufruto até dos humores sobre a decoração. Veremos.

Agora, a Operação Influencer, que fez cair um Governo, parece condenada a idêntico fracasso. As escutas a que João Galamba esteve sujeito durante quatro (q-u-a-t-r-o) anos, por exemplo, serviram para três juízes do Tribunal da Relação de Lisboa concluírem que o ex-ministro das Infraestruturas pudesse estar, apenas, preocupado com o “Interesse Nacional” (ainda lhe ficaremos a dever uma estátua). Há erros, especulação e ruído; o que não há é indícios de favorecimento indevido do tal megaprojecto Sines 4.0, como não há elementos que possam pesar contra António Costa, malgrado o último parágrafo, colado com cuspo no famoso comunicado da PGR. E a tudo isto, o Presidente da República reage com comentários quase jocosos, porque o país é a sua sala-de-estar e a pátria tolera-lhe todas as indisposições.

Quanto à Procuradora-Geral da República, move-se hirta e muda pelos corredores da tragédia, com o enfado dos soberbos, como se não tivesse a obrigação urgente de nos prestar contas.