Isto já vem tarde, bem sei, mas, “lá tá” – como diria uma reputadíssima comentadora política em horário mui nobre num canal de referência –, estes são os meses em que trabalho horas indecentes, logo, quase não existo para tudo o resto.
Acho
que não sou capaz de reconhecer sem ajuda uma única música de Taylor Swift, mas
é o fenómeno que me importa. Sem nojo nem maledicências. Afinal, podemos nunca
chegar a compreender bem por que adoramos o que adoramos; ainda agora fui ver
os meus Depeche Mode e não me atrevo a jurar que não acamparia à porta, em caso
de necessidade. Além disso, diverti-me como se tivesse quinze anos, e soube-me
mesmo bem. A minha amiga brasileira diz que nunca entendeu bem a expressão: o
que é isso de saber bem? Pois, se tivesse ido ao concerto dos DM, talvez tivesse percebido. Ou ao de Taylor Swift, não sei. Não havia
desmaios, choro e ranger de cabelos na época áurea dos Beatles, numa devoção
exacerbada e histérica que culminou com a morte John Lennon? Talvez mais por
ódio do que por amor, mas a distinção nem sempre é cirúrgica.
Mas, falava de Taylor Swift. Os seus concertos em Lisboa provocaram sismos também fora dos corações dos swifties. “Nove estações na cidade de Lisboa detectaram energia sísmica decorrente do concerto no passado sábado”, noticiava o PÚBLICO no passado dia 28. Espantoso, não é? Talvez não tanto como o próximo: há quem defenda que a cantora norte-americana pode provocar um terramoto de consequências épicas, que é como quem diz, uma intenção sua, se expressa na voz alta das redes sociais, pode influenciar os resultados das eleições de Novembro lá nos EUA, o bater de asas da borboleta capaz de desencadear a tempestade perfeita. Parece absurdo, se é só uma cantora, diz o meu filho, mas não é só uma cantora, já nada é só coisa nenhuma, e o meu filho não é um swiftie, não é, sequer, de concertos, não lhe posso dar crédito. Há uma convulsão mediática que arrasa as razões que qualquer razão reconhece.
Donald Trump garante que não há qualquer hipótese de Taylor Swift vir a apoiar o presidente mais corrupto da história do país, referindo-se, obviamente, a Joe Biden. O líder espiritual da MAGA está cada vez mais próximo de poder matar alguém na 5ª avenida sem que isso lhe custe um voto; talvez até pelo contrário. Não há mal que se lhe pegue, e isto parece-me mais espantoso ainda que os sismos da Swift. O julgamento que acaba de condená-lo alimenta o culto do político perseguido por homens maus e doentes. Donald Trump nunca perde uma oportunidade para atiçar a sua matilha armada, cada vez mais hostil e ousada. Stand back and stand by, e se aquilo é gente que sabe esperar. A sua primeira eleição, em 2016, abriu um caminho sombrio, que parece sem retorno, muito para além dos factos alternativos: há uma audiência sedenta de sangue, saída das cinzas da raiva, que quer saber apenas de poder, no que o poder tem de pior. Não há verdade ou facto com que possam ser dissuadidos, é uma batalha perdida. Se a Democracia é a voz do povo, e há metade de povo rente à garganta do lobo, desejando ser devorado, qual é a alternativa? E como é que os Democratas não conseguiram encontrar uma alternativa a Joe Biden, a propósito?
De resto, há momentos em que sinto falta daqueles dias de confinamento. Porque sou egoísta e má, eu sei, e o meu mundo não desabou, apesar das perdas. Dos serões de ópera; do homem do saxofone alguns Domingos à tarde; do silêncio voluptuoso das ruas desertas, uma ausência palpável, e o tempo que parecia distender-se numa simplicidade trágica mas tangível, implacável mas limpo. Sinto falta até dos arco-íris pintados às janelas, do mantra pardo, vai ficar tudo bem, quando parecia que um vírus malévolo era a maior ameaça a este mundo alquebrado.