quarta-feira, 31 de julho de 2024

A Arte da Discórdia

Perdi a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Quando voltei à superfície, reinava a discórdia em torno da Última Ceia, que afinal era a Festa de Dionísio, que afinal era uma afronta ao cristianismo, que afinal era uma celebração da diversidade. 

Já não vou a tempo de decidir imparcialmente, há um coro histérico de dizeres, entre ofensores e ofendidos, que impede um olhar isento. Há pedidos de desculpa e há ameaças de morte. É insano. Por outro lado, espanta-me o espanto das direcções artísticas que se metem nisto: não podem ser nem tão ignorantes nem tão ingénuos, pelo que nunca percebo os piedosos pedidos de desculpa depois do mais que previsível desastre. Está aqui, é isto, é um trabalho artístico, ofensivo ou não, pensámos assim, criámos assim. Ponto.

Fui espreitar, claro. Não achei ofensivo, mas também não achei belo. Não gostei. Pode ser apenas por preconceito, não sei. É verdade que não amadureci ainda (e, francamente, duvido que lá chegue) alguns conceitos de igualdade e inclusividade que me livrem, por exemplo, da estranheza de ouvir dizer “pessoas que menstruam”, ou a gravidez é “culturalmente entendida como exclusivamente feminina” – ninguém sara por decreto, e esta imposição bruta e à bruta de uma suposta linguagem neutra corre o risco de resvalar para o embuste, se divide e não une, furiosa e soberba. Não há decreto que obrigue o pensamento.

Fico-me por Lady Gaga e Céline Dion. Gosto mais da primeira, é um facto, mas: Céline Dion canta uma das músicas mais enjoativamente românticas que ainda gosto de ouvir; acho formidável vê-la ali brilhante e maravilhosa apesar da sua doença terrível; e Edith Piaf é eterna.