Sei que posso ser muito ingénua, mas há sempre pior. Por
exemplo: os que acreditavam piamente que Pedro Nuno Santos ia “analisar”, “ponderar”
e decidir “responsavelmente” viabilizar ou não viabilizar a proposta de Orçamento
de Estado do Governo de Luís Montenegro, há uma semana, quando era evidente desde a noite em que
assumiu estoicamente a derrota que o líder do PS não confiava
nada naquele “não é não”. Creio que a pressa vinha daí: uma vitória curtíssima
da AD mais uma subida estrondosa do Chega igual a aqueles tipos vão ter mesmo de
se entender, e eu posso lavar as mãos como Pilatos.
Luís Montenegro não será o estratega brilhante que levou
a sua vontade a bom porto contando com a impetuosidade suicida do enfant cada
vez menos terrible: soube esperar, arriscou, e, a dada altura, os astros
alinharam-se. No dia em que anunciou ao país as alterações ao Orçamento de Estado
para ir ao encontro das exigências do PS, ainda deglutia um pequeno sapo; muito
longe do sorriso quase escarninho de ontem. Esperou, desejou, conseguiu, diria
o senhor presidente. Esteve muito bem.
Podíamos, agora, parar por aqui no quem é que humilha quem,
mas o povo gosta de sangue e a comunicação social faz as exéquias com indisfarçável gula. Nem falo das
outras “forças políticas”, porque não há nenhuma realmente interessada em
discutir soluções; AD incluída. É uma guerrinha de bastidores, ataques pessoais,
mediocridade ao mais alto nível.
Ontem assinalou-se o Dia Internacional da Erradicação da
Pobreza. Portugal tem mais de dois milhões de pobres. Mesmo entre os que
trabalham a tempo inteiro, há quem trabalhe apenas para pagar contas. Será assim
tão difícil encontrar pontos comuns para acomodar uma discussão séria sobre
isto? Pergunta a parte ingénua de mim.